No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

sábado, 27 de dezembro de 2008

Irracional

E vem assim de repente, inconsequente, irracional, não se entende, apenas se estende em mim. a força centrífuga puxa-me para um qualquer centro de gravidade reflexo, espelho do meu. E mais de repente ainda, vejo meus sonhos serem tomados de assalto por ti, vejo o rubor no meu rosto de cada vez que te vejo, vejo crescer uma timidez inexistente em mim. Vejo não saber o que dizer quando raramente me faltam palavras. Vejo o mundo de pernas para o ar, e esse desconforto, o mistério do novo invade meu estômago com asas de borboleta, e o seu roçagar causa-me arrepios, uma linha quente e fria que me percorre a espinha, que me lembra que vou muito além de mim, muito além do meu corpo, que posso chegar onde quer que me permita. E, de repente, as fronteiras da alma tornam-se ténues, abrem comportas e deixo-me ir. E os pensamentos desfocam para se focar em ti, e minha mente rebelde fica domesticada, acorda contigo e adormece contigo. E, mesmo quando não te tem em pensamento, é porque te expulsa dele. Até aí te pensa, pois estás preso aos meus sentidos e em cada sentir, e penso-te com todos os neurónios do coração, indomáveis perante os da razão. E, de repente, vi-me assim.

Fingimento

Não tenho escrito, pois tenho-me concentrado em sorrir para a vida e ela responde-me com o eco de gargalhadas. Não porque se ri de mim, mas porque me juntei a ela, e rimos juntas, e muitos mais se juntam em nós.


A inspiração é, muitas vezes motivada, outras, a minha , viciada em ti, por isso tirei umas férias, deixei de te dar palavras na ânsia pueril de te fugir e de voltar a ser livre. E acredito, tal como Pessoa, que se fingir tão completamente, deveras vou sentir.

E insisto neste meu fingimento, que facilmente ilude a mente, mas embate várias vezes nas vagas da minha alma, que resiste heróica e estoicamente ao encantamento que sobre ela se abateu.


Sei-me exagerada no exagero daqueles que forçam seu próprio pensamento ao esquecimento para escapar à loucura. E não gosto de quem me quer menos porque sou assim, exagerada, intensa, volúvel na volúpia da amnésia do tempo. Mas tudo isto que me invade, expira, e inspira, não me assombra. Sou serena, na plenitude de meus exageros e na harmonia das minha contradições.
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Autopsicografia
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O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
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E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
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E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Miopia e astigmatismo de alma

Sete e quarenta da manhã... Abandonei a mesa de bar e a ilusão de não estar só foi mais além. Afagou palavras cúmplices nas bocas de outros... E pergunto-me se de facto estou acordada. Se de facto penso, e me penso para lá de mim para voltar a pensar no perímetro de mim mesma, pois apenas esse fora que volta se foca nos demais.


Cheguei a casa. Tirei as lentes, regressei a minha natural miopia e astigmatismo. No fundo é clínico, vejo mal ao longe, no tempo do amanhã, tenho grandes dificuldades em focar, disperso-me, e as dioptrias várias denunciam-me. Uma vez disseram-me que só me permitia ser eu quando saía das lentes e me rendia à cegueira, e aí, esse alguém via minha alma mais forte, porque capaz de ser frágil, de se entregar sem ver o outro, apenas porque confiava nos pequenos pontos que o contornavam, fronteiras da alma, para meus olhos toscos, vagos, mas em mim pontos de luz, confiava em algo maior, numa mera sensação, não mais que conforto, ou tudo mais que essa banal palavra, sem saber, carrega. O conforto de estar perto de alguém, esse conforto que é preciso receber, abrir a porta, deixar de ver...



Esta noite dancei e dancei e pensei no quanto gosto que algo, alguém me inspire, no quanto me movo como uma locomotiva orgulhosa da sua revolução industrial, mas como a minha revolução é daquelas que revolve entranhas, e que não teme almas estranhas, danço e ladeio corpos torpes, ágeis que se meneiam perto do meu. Poucos dançam sem temer o roçagar de almas...



Cada palavra é tão minha, que não preciso de escrevê-la para que se dê a mim, tantas são as vezes que se repete na minha mente, no entanto apenas o eco que têm em teu timbre me soa melhor...
Esta coisa de fazer do amor matéria prima, prima pela falta de originalidade, mas todo o ridículo tem a sua forma única de o ser , e não me apresento como excepção. Amor que às vezes me ama , outras ama um homem, um projecto, a vida... E por aí, pelo derradeiro caminho que leva a amar coisa nenhuma. Mas a ti gosto-te com ódio, com aquela luta que faz os amores maiores... E a raiva surge, mero fetiche do ódio de mim mesma, pois não consigo odiar-te de forma a tirar-te a ferros de mim. E sem querer ir, já fui, e levas-me a um qualquer lugar desconcertante, onde poucas vezes só pelo meu pé cheguei.
Não acredito em caminhos se não aqueles que cravo o salto mais alto do meu sapato de festa. Mas para ti caminhei de pé descalço, e sem saber, ali mesmo me desnudei. Acho que me gostaste por isso, entregue sempre à urgência do momento, mas sem me abandonar. Continuo em mim.

Ausência

A sede de tanto é vaga

Amarga no doce afago da presença

Que um simples pensar em ti me traz

Leva-me para lá da crença

De ser mais de mim, pois que me surge a urgência

De ser quem sou

Assim sem paz, pois tudo a que me dou

Te traz, até tua ausência

Não é muda,

Corta a grito o silêncio cortante

Que o tédio galopante

Congela no presente

E de repente escuto aquela voz

E nada, nada se lhe compara

E aquela cena de nós

A forma como o sublime me encara

Faz amor com a poesia

E mesmo sem paz

E com o estômago entregue a nós

Voltava atrás e de novo me perdia

Pois nessa volta o tempo sempre te traz

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Turva

Procuro-te nas ruas despidas,

Nas telas de pele esticadas, tingidas

Nos corpos desmaiados,

Reféns dos sentidos...

Perdidos por entre passos

Certos, dispersos no chão,

Preenchem espaços lassos,

Fazem do tempo um homem néscio,

Rompem no resquício vão,

Surgem desertores e desertos,

Dentro de casulos

Que extinguem crepúsculos...


Assumem-se almas sem tecto

Daquela prisão a céu aberto.

E por entre ruas vasculhadas

Vagueio, acendo um cigarro,

E na nuvem de fumo

Traço meu rumo.

Encontro teu vulto num carro

E aquela visão turva,

Que me espreita a cada curva,

É lavada pela chuva...

Enxuga-me a mente,

Levo o cigarro à boca,

Na esperança oca

De me manter quente,

E crente no que me assombra.

E aquele passo para a paz

Num passo à frente se desfaz...

domingo, 23 de novembro de 2008

Subversão

Alguns confessam-se a padres, outros às paredes, outros ao espelho, eu converso com o último, e entrego-me e arrasto-me pelas palavras. Só a elas segredo o que ninguém desconfia gritar em mim. Preciso delas como de ar, elas enchem-me a mente de tal forma, que por vezes penso que a loucura é meu berço, e que a sanidade é apenas o véu de tule que o cobre. Mas são o barro onde me moldo a cada dia, nelas me ponho real, ou na ilusão que quero ser, ou apenas na ficção que me entretém o tédio. Nelas te expulso, por momentos, de mim.

Elas sabem, repetem-se tantas vezes, sabem que tento sair do casulo do orgulho e evolar-me da sanidade e ser solta no prazer mediato, profundo, que é sermos quem somos sem o pensar, apenas sendo. Cada vez mais me permito. Mas com ou sem orgulho tenho saudades, de ti. Mas não te digo e não por ser forte, antes por ser fraca e por nada querer de ti. Não quero palavras meigas, condescendentes, apenas quero que me escutes e me acolhas nessa saudade, que me tomes como só tu sabes, pois aí, nesse lugar que apenas nós conhecemos, por instantes, pertenço aqui, de forma sublime.


As palavras dançam dentro e sob meus dedos e sabem o sinónimo de saudade, sabem escrever-te, mesmo que nunca me denunciem, pois vives nas minha entrelinhas. Estás sempre lá, e quando te fujo acabo sempre por voltar a ti, a saudade resgata-te sempre. Não te prendo a nenhum desejo futuro, aliás não te prendo a nada, e no entanto nunca tive tanto ninguém. Acho que inverteste mais do que a minha lógica, subverteste-me de tal forma que cada vez mais quero ser eu. Talvez por isso te queira tanto. Talvez por isso te deixe longe.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Pelo cansaço...

Choro sem qualquer pena de mim e dos outros, apenas com a displicência de roubar-te meu espaço. Tarefa árdua, pois difícil é libertar-me do que me é impossível a posse, e trazer-me de volta quando saí pelo meu pé.
Talvez sejam simples lágrimas de capricho, de menina mimada que quer tudo aquilo que anseia. Anseio pelo insuflar desse meu mimo, que te transforme apenas num capricho travesso da minha alma. Que sejas apenas a revolta da menina mimada que me habita, acostumada a ter o que deseja. Que seja, que não sejas mais, pois o mais que temo, leva-me a um lugar a salvo de lágrimas, árido, pela erosão das ausências, das mágoas não choradas, resvaladas no desfiladeiro das expectativas.


Onde foi que me deixei achar por ti, ou onde foi que te achei? Sei que foi num lugar onde acordo com o teu cheiro, e onde me apertas contra o teu corpo daquela forma que não tem jeito, apenas o teu.



Mas ainda vivo na esperança de seres apenas inspiração, que gerei em mim, que me revolve e inquieta e que faz querer mais, e esta sede transborda nas palavras, espero seres apenas a ilusão constante que preciso para viver, para que o tempo te esgote, e te vença o cansaço das mesmas palavras que se cansaram de ti.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Vertigem

Vertigem cansada a que nos faz cair, sem sequer nos levantar os pés do chão, prostra-nos ao conforto do asfalto, quando na verdade a inércia de nossas almas clamava pelo calor do alcatrão... Pelo roçagar da gravilha em cada pedaço de pele.... E marcar aquilo que apenas nós víamos.
"Timing"... Esse tempo indefinível que todos querem ter a noção de. Isso, esse momento sagrado que não existe, esse tempo em que almas esquecem o tempo, e existem, navegam sob as ondas magnéticas da mesma frequência. Quando isso acontece, razões amortecem, cedem a paixões, amores épicos se constroem, projectos nascem, invenções deixam-se adivinhar... Ganha a Ciência, o bem, o mal de alguém... E a Humanidade, porque convenhamos, se amanhã me cruzar com alguém, que seja bem amado, ou cientista para me dar a fórmula.
E naquele tempo congelado , o tempo do "timing" , os ponteiros do relógio abandonam seu posto e conforta-nos a ilusão de imortalidade carnal. E assim, pelo afago do terno e nervoso músculo que nos embala, naquele seu compassar certo, sequenciado, sem saber bem como ou porquê, salta-nos do peito, as batidas outrora calmas e a seu tempo, perdem o rumo e soam frenéticas, levam seu eco a cada canto do corpo, outras vezes, coisas há que nos param essa batida, que nos espessam o sangue, de tal forma que sentimos cada cheiro, toque, com uma urgência jamais sentida, que só a pressão de suster a vida naquele momento nos dá, tudo para enganar o tempo, mudar-lhe a frequência... Poucas coisas nos fazem parar, poucas nos aceleram a respiração como se quiséssemos viver mais, estar mais vivos, ou como se quiséssemos comer o tempo para chegar lá ou ao outro. E depois parar de novo, ali permanecer, perenes. Ali, naquele lugar onde não existe tempo ou asfalto para nos rasgar a pele, onde nada faz sentido, porque todo ele está em nós. E nada nos cansa nessa vertigem. Esse tempo, que é só meu, ainda não sei onde está... Fé, trago sempre, em mim, na mala, num sorriso de alguém, num abraço. Relógio, raramente uso... Só preciso de deixar de perguntar as horas.

sábado, 25 de outubro de 2008

Febril

"Não é mais surpreendente ter-se nascido duas vezes do que apenas uma; tudo na Natureza é ressureição."
VOLTAIRE
Para quê viver se não para ser real? Para quê ser real se não se acreditar realmente nisso? Para quê deambular entre a morte e a vida se não para ser arte? Para quê ser arte se não amar o artista? Como ser artista se não amar arte?
O Amor é a única constante. Em todas as interrogações, surge como resposta, só ele cria, constrói, dissipa o medo... Veste-se de fé, compaixão, criação, e vive-se pela acção. Age, actua, não se limita a existir e, como tal, faz vivo quem o sente (torna este mundo real, é a vontade inconsciente que a ele nos prende).
Sei que não foste acaso, um caso dentro da desconstrução do tempo. Vieste para me mostrar que dói, não por quereres meu sofrer, ou acreditares na sofreguidão inútil das almas, mas porque me queres viva. Ressuscitas-me a alma, sacode-me-la por entre o corpo, quando me olhas assim, lancinantemente, de soslaio, como que ao acaso, mas um acaso que sempre nos atrai, que trai nossas mentes, o tempo sequenciado, os ponteiros do relógio, surge, e aí, me mergulho sem medo, sem querer sair enxuta.


Sei que te vi outrora, mas não sei onde... Meu gladiador de outros tempos, tens a guerra nos olhos de outras vidas, mas nesta não vieste guerreiro, mas vencedor, aprendeste que só o amor vence guerras que o medo trava, espero. Sei que também me sabes para além do eu que hoje sou. Mas será que a mente te entorpece os sentidos, te afoga para lá de onde teus olhos te mergulham?...


Sob o efeito do anti-inflamatório e de analgésicos tento sobrevir de uma gripe, uma garganta inflamada, quando na verdade sei o que me resfriou o espírito. Os espasmos que me atingem, sacodem-me as paredes da alma. Ela descolou-se dos meus ossos, da caixa forte que trago no peito, pôs-se a salvo. Foi por aí que o frio me penetrou, congelou-me os sentidos e permite-me viver assim benzinho, por quanto tempo o tempo assim me quiser.


Acordei doente, maleita pequena, reflexo de um frio que abrigo em mim. Talvez precisasse de uma desculpa (ingénua) para tomar analgésicos e assim acalmar minha dor. Ou apenas senti-la assim, dormente, pedante, disfarçada de doença, para que não lhe ache a cura. Ou talvez só precisasse desta sonolência torpe para embalar minha saudade, por entre delírios febris, te sonhar e te ter comigo. Nunca te deixo, ainda não quis o suficiente, confesso. Estás em mim pelo tanto e por quanto te permito. Não expio minha culpa. Mas perdoo-me...


E olho pela janela. E tudo para lá de mim vive... E o anónimo colectivo, por instantes resgata-me. No escopo entre a loucura e a verdade se criam ilusões reais. Pelo meio amamos... Entre a verdade e a loucura... Só o Amor expande a vida para fora de nós sem nunca a expulsar, só ele é real. A saudade apenas te sobetrai ao passado e resulta em mim.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

On my way

Jurei não mais chorar, não mais me dar ao desconhecido que aperta meu peito... Não dói, porque nada espero, esperava, mas escorre-me pelo rosto... E eu que jurei não mais ser assim, mas por dentro, não sei se não celebro, pois provaste-me que ainda sou capaz de sentir... Hoje soube que o caminho ganhou novo norte... Nunca te cobrei um destino, mas levei-me, sem querer, até ti... Sou alma solta, mas solto-me nas coordenadas da intuição... Não entendo o que me apontou até ti... Se nada tens para me dar, porquê minha bússola aponta para aí, o que quer que seja, hoje deixei-te na berma do que poderia ser, na estrada de mim mesma... Não mais a quero seguir... No entanto apareceste-me, desnorteaste-me, encantador... Estavas deliciosamente perigoso... Afagaste-me os olhos e toda a libido que me sustinha de pé, que me dava força para te tratar como igual... Quando na verdade te vejo além de todos... Para lá de todos.
Estou livre... Soltei-me da ilusão que sem querer, mas crendo me prendia a ti. Sou de novo poeta, solta na métrica das ruas, na poesia de almas perdidas, que crendo, me encontram. Espero que te reúnas no melhor de ti, pois a mim resta-me ser feliz. Sê-lo-ei.

domingo, 12 de outubro de 2008

Insónia

Acabou o dia... Tenho que dormir, mas minha mente exalta mil vidas, todas aquelas que tento viver e todas as que me escapam na esquizofrenia a que me rendo. Poucos me entendem, e os poucos que me entendem, muitos estão equivocados, acho.
Não sei se enamorada, se envolta na ideia de o estar... De qualquer das formas, criei em mim sentimento inteligente, presente, pouco presente, mas que me transborda nos olhos. Gosto assim, sem promessas, ou parcelas, inteiro e em mim, porque o quero juntinho...
Canta-me, no refrão, Amy (Winehouse), pregada aos ouvidos, mas no eco é para ti que grito, por ti me perco, nos dedos, nas ruas, nos becos para os quais arranjo saída... E corro até lá ... Mas nunca chego sem me levar, nunca chego contigo, mas sempre chego até ti. Estás lá, no cantinho decorado pela ilusão real, afagado ao de leve pela vida, mas confortado pela mais fértil das imaginações...
Foge-me dos dedos tudo o que quero escrever, apenas, porque o que quero, agora se prende a ti... És tu quem me toma, pela aurora do dia ficas maior em mim, talvez por isso mate a insónia com vontade de dormir... Mas ainda assim, não me livro de ti, ilusão que gerei, corpo que vivi, apareces-me nos sonhos, de cabelo emaranhado, de coração desamarrado, e nesse instante, aí, ato-me a ti... Sou presa ao fio solto que me tem em ti, nele me enrolo, volto. Mas não me roubas de mim, por isso vou dormir, escoltar a insónia para longe de ti... E esperar que o meu inconsciente não te encontre, e, fique aí...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Retalhos

E o que fazer se quando sou, grito

O inaudível som, que só os mais desatentos tocam

Aqueles tantos que perdem tempo e vivem seus talentos

Que mirram quando chove, e escutam

E juntam-se-me no eco, no brilho de cada sol

E perdem-se no meio para nunca chegar ao fim

E não pescam, mas trazem sempre ao peito um anzol

E gritam não quando os olhos dizem sim

E começam onde caíram

E sempre se levantam

E amam lá pelo fim, só para fazer um não

Virar sim, um precipício

Onde constroem um início

E precipitam de novo um grito

No agito que cada vento arranca ao corpo cansado

Molestado pelo tédio passional

No arranha céus da loucura sei-me inquilina

Sei a linha ténue e curvilínea

Que me mantém sã

E salva da sensatez plural

O meu mais forte apito,

O que me acorda pela manhã

Revolve meu corpo, envolve-me os sonhos

Toca como se cada dia fosse um cais

Onde me atraco, pernoito

Ou barco afoito que sou

Apenas deixo para trás

E presa a cada grito solto não fico, vou

E raramente tenho frio

Pois fiz dos sonhos agasalho

Uma manta de retalhos

Que não tem princípio ou fim... Crio.

domingo, 28 de setembro de 2008

Busca

E que fazer quando o dia acorda assim? Capaz de arrancar os céus... Impossível não sentir e sentir e sentir... Não lembrar de contos vividos, uns mais contados que outros. Outros ainda, sob o véu duma nostalgia solta, pueril. Lembras-me sonhos de Verão, história de um romantismo que perdi na guerra. Nesta guerra que por vezes travo comigo, e que vezes outras travo com quem se defende ou de quem me defendo.

Lembras-me o riso quente dos vinte anos recém chegados... Uma crença que busco cada dia, todos os dias em mim... Não acredito no tempo, mas acredito naquele em que ele para mim de facto não existia. Mas hoje sei que me gosto com mais verdade. Não me preocupa, não quero que me gostes mais assim. Mas bom saber-te nas minhas memórias. Saber que nunca te perdi, porque não saí da nossa história vencida.

Nunca nos reencontrámos e, no entanto, nunca nos deixámos ficar longe. Não sei porquê, também não procuro respostas. Mas fazes-me bem.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Primavera a Sul

A rosa dos ventos tem dessas coisas, aponta para Sul e tudo começa... As folhas que caem, que jazem no chão, nascem em árvores outras, que meneiam seus braços aos ventos do Sul... E neste embalo fui, estou... Desnorteada, mas com prumo neste rumo que tracei. Trago o lápis no canto dos lábios e a cada dia traço-lhe mais um risco... Hoje junta-se-lhe a rosa, é Primavera a Sul!!!



Minha Alma não tem pontos cardeais, embora reze a tantos outros... À energia que brota, às ideias que borbulham, aos sentimentos que se afagam, às verdades que nos cortam e ao tempo que só existe para sarar essas feridas. Nesse tempo já me perdi, mas só ele me fez sair mais viva.

E de repente, do outro lado da janela tudo muda, a brisa dança a outro ritmo, envolve tudo o que vai nascer. E por isso, é tempo de renovar ou persistir em sonhos. De inspirar sem medo de morrer.

Lembro-me de ser criança e de olhar os céus e as andorinhas que os rasgavam a cada Primavera... Sempre gostei de andorinhas, de pássaros migratórios, que perseguem o Sol. E que voam no embalo dos ventos quentes... E nunca vão de vez para lugar algum... E sempre voltam...
A cada Primavera. Trazem com elas o fim do Inverno e o início da Primavera... A época em que tudo se renova, nasce, contrói. Vejo agora porque sempre gostei delas, porque sempre me alegrou aquele chilrear... Nunca gostei de Inverno. E elas traziam o novo, anunciavam oficialmente a chegada do tempo quente, do tempo onde se contrói novo tempo.
Gostava que cruzassem os céus das Américas para me anunciarem mais uma Primavera. Mas voam ainda nas minhas memórias de criança. E sei que também elas abandonam agora o hemisfério norte e se dirigem a Sul, ainda que noutra latitude, num outro continente, num outro pedaço de céu, anunciam, celebram esta nova fase da natureza.
Só hoje sei porque gostava tanto delas... Nunca havia visto o meu afecto por elas como hoje, apenas gostava delas, achava-as alegres, percebia-as como ninguém na sua ânsia de estar onde tudo começa, onde o ar é mais leve, quente, onde o brilho do Sol volta a ser intenso. Lembro-me de pensar que os Homens também deviam ser assim... Seguir nas asas do tempo rumo à Primavera precursora. Com ela até o eco do mundo muda, a natureza canta e, a cada ano, surgem novos sons. Tal como a natureza, celebro a renovação, a mudança, o caminho que não tem que ser o mesmo, mesmo que saibamos qual nos leva a casa, ou talvez por isso mesmo.
Agora sei porque gostava delas... Das alegres e esvoaçantes andorinhas. A natureza dá-nos pistas sobre nós mesmos, espelhos. Espero ter sempre tempo para notá-los.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Segredo ao alto

Consome-me aquele olhar

Que não mais me olha

Entrego-me ao corpo que não acho na cama

Que não grita, mas é chama

Não sei se para ti vou

Mas sei-me no salto que em ti dou

Não te preciso, porque te quero

E não deixo que o medo me coma

A alma, com seu morder voraz

Com sua fome de minha paz

Continuas intento da minha saudade

Ainda te quero de cada vez que desejo

Ainda te beijo, em pensamento, cada vez que flamejo

Mas não mais me roubo de mim

Saudades daquelas, tuas mãos,

Que fazem do meu não, sim

Que dão novo toque ao toque

Saudades do teu respirar

Que quero perto, que me sufoque

E nada mais me guia, para além duma força motriz

Que tudo entende, e nada diz

E foi preciso partir, ignorar o encanto

Fugir-te, temer-te, não mais te querer

Para sentir que te quero para lá de tanto

E grito-te no escuro para que ningém me oiça

E trinco-te baixinho para que o orgulho não me morda

E amo-te bem alto para que todos oiçam

E te contem por mim







quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Saudade

E o dia quente de Verão humedece as paredes sem porta ... O dia dá lugar a uma chuva insistente, pequena... Como tantas vezes nos assaltam pessoas assim...
Mas não nos molha, só nos acorda os sentidos... Em Lisboa, a portas fechadas, bebem-se copos de vinho branco, tinto, palavras cruzam-se à mesa, mãos deitam-se umas sobre as outras, pernas prendem-se por baixo de panos...

Lisboa é linda! Já diz o fado! Menina e moça, canta o refrão... Em todas as melodias, Lisboa surge curvílinea, mulher! Cidade fatal que nos agarra, mas madura, solta-nos... A mim libertou-me, deu-me ao mundo e fez-me assim, mulher litoral, e jamais acordo sem olhar o céu, jamais deixo de reconhecer o cheiro da maresia...
E a cada esquina Lisboa planeia encontros e desencontros, na sua alma de cidade velha espelha novas histórias... Encontram-se novos amores, velhos amantes, e nasce a matéria prima de poetas, porque a cidade vive-se na poesia, no entusiasmo com que se levanta um copo de vinho, com que se brinda olhos nos olhos, e se sorve o elixir da vida...
Lisboa, fêmea, cheia becos e vielas, completa por lugares recônditos que só conhecem quem os viveu... Nostálgica, mas presente.
Hoje reencontrei neste cenário uma grande amiga. Falámos, perdêmo-nos, afogámo-nos nas conversas e em copos de vinho branco ao alto. Mas na verdade, mais alto colocámos o que trazemos ao peito. Bom voltar e saber que temos quem nos espera... Ela sempre me esperou. Também eu a esperava ao contrário... Felizes os que a língua mãe lhes ensina a saudade, pois configura-lhes a alma... Felizes os que reencontram, sabendo que onde quer que vão muitos pares de braços os esperam... Felizes os que a língua mãe lhes ensina a saudade, pois configura-lhes a alma... E o melhor da saudade é abraçá-la...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O MEU CONTADOR DE HISTÓRIAS

(Dedico este texto ao meu Pai, que me ensinou a ser ser pensante, a cortar e criar caminhos com a lâmina afiada da razão. Mas mais que tudo, com ou sem razão, mostrou-me, mostra-me, a cada dia, que o Amor existe).
Este texto não tem o propósito de compensar, embora saiba que ao ter escrito um texto para a minha mãe, a repercussão foi um leve afago desse sentimento a que chamam ciúme, junto do meu querido e amado pai.


Aqui vai uma declaração de amor para o meu pai, papi lindo que tanto me deu... E continua a dar...


Desde cedo, ensinou-me que tinha um músculo ao qual não podia faltar exercício. Disse-me que era uma massa cinzenta, como uma pastilha elástica, que se podia esticar, e aí cresceria sem limites. Nunca me esqueci papi. Ensinou-me a fazer contas, a contar moedas, e cedo se deve ter arrependido, pois depressa viu que era exímia em contas de sumir. Ensinou-me a andar, e sempre que caí ele estava lá para me ensinar a andar mais uma vez. Ensinou-me que a maior das suas forças era a sua presença, e nunca o deixei de sentir lá, e, mesmo hoje, à distância, tenho-o comigo.



Lembro-me de como me adormecia, com uma história nova, todos os dias, e de como me divertia, na minha exigência, de que essa história viesse sempre dele, não podia ir colhê-la a livros, tinha que vir da imaginação. Acho que hoje deve divertir-se, rir-se mesmo da sua paciência de pai coruja, que velava o sono da sua cria e que tanto se esforçava, para a cada dia lhe povoar a curta vida de personagens novos.



Por vezes ríamos os dois, pois o bulício do dia roubava-lhe tempo para criar uma nova história, e tentava enganar-me mudando uma antiga, trocando nomes, acrescentando coloridos, mas depressa percebia que a discípula tinha aprendido a usar o músculo lá para os lados da memória, e que se lembrava de todos e cada detalhe das histórias passadas. Mas nunca, durante anos, me faltou uma história para dormir.


Sempre respeitou o meu espaço, mas sempre senti sua presença atrás da porta , quando precisei de fechá-la, e sempre soube que estava lá se lhe corresse.


Sabe-me diferente e acho que às vezes não me compreende, pois tem uma mente bem mais objectiva do que a minha, mas no fundo acho que se diverte e enternece com o meu colorido. Admiro a sua inteligência e carácter, que me deram uma rectidão de que me orgulho e que me fazem hoje não ter medo de cair, pois algo maior me suspende, me faz elevar.



Sei que por vezes não me entendes os sonhos, pois são para ti , mente matemática, tão voláteis, ingénuos. Mas também sei, que no fundo me gostas assim romântica, e um dia papi, vais ver-me voar. Nesse dia vou pensar em ti... Porque sei que no fundo nunca duvidaste.


Esta força que me move, esta fé que tenho em mim, ainda que só acredites nos Homens, e não ligues aos Deuses, essa fé, também te pertence. Vem do Amor com que sempre fui rodeada. Ganhei a lotaria à nascença ao ter os pais que tenho, pois ensinaram-me desde sempre a ser o melhor de mim, a ousar, ensinaram-me que o único limite era eu mesma a traçá-lo. A fé que sempre tiveram, tiveste em mim, fez-me assim sonhadora e protagonista dos meus sonhos... E não tenho medo do palco, porque te sei na primeira fila desde sempre.

domingo, 24 de agosto de 2008

Eco

Dancei, dancei e dancei... Dancei até ao culminar das minhas forças.
E a pista ardia perante os sons que não ouvia fazia muito. A música comercial, pop, que tanto agrada os sul americanos deu lugar a um som inclassificável, mas que era, no mínimo, bom... Dancei, vagueei sob o meu corpo até não mais poder... As vozes percorreram o som em conversas indecifráveis e intermináveis. Conversas sem destino, iluminadas por entre freixos de luz.

Casais solitários abraçavam-se, fingindo não mais estar sós, pessoas soltas juntavam-se, e eu dançava ao som daquela música compassada pelo meu pulsar... E o som de cada batida tornou-se apenas eco de estar viva.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Devaneio

Não sei se por regressar a casa... Talvez por sentir que não mais tenho casa. Que a levo no peito. Por isso, talvez não, assaltam-me pensamentos e mais pensamentos, o pensar em tudo, o que foi, o que é, e mais que tudo o que quero que seja. E este turbilhão tem trazido emoções, desenterrado pensamentos, palavras não proferidas que ganham forma sob os meus dedos. Às vezes (tantas) acho que me penso demais. Talvez por isso seja tão dionisíaca também, e só sei ser assim... Só nessa loucura repousa minha sanidade.


E tenho pensado em Ti. Não tenho pena do que não vivemos, disse-me tantas vezes, pois sempre me concentrei no que havíamos partilhado. E dei a história por encerrada, pois para mais capítulos, teria de dar muito, tudo de mim. Não quis correr o risco, pois sei que o caminho até ti é um caminho sem retorno. E deparo-me agora, fora da trilha, disposta a percorrê-la . Mas andei em frente, não sei caminhar para outro lado, e custa-me ficar no mesmo lugar. Mas hoje dou-me conta que talvez o "The end" que esculpi na nossa história não tenha ainda sido encenado, a não ser no argumento da minha cabeça. Dou-me conta que ainda só afagámos nossa história, e que talvez nem nos demos tempo para a viver. Não faz mal. Estou feliz por te saber em mim, porque me inspiras e me fazes ser mais dentro e fora de mim. Tenho orgulho em tudo o que és e só te sei em parte... Adivinho-te o resto. E fico feliz, agora que deixei de ser narradora da nossa história e passei a povoá-la. Estou nela, não mais quero analisar, classificar. Apolo saiu de mim, entrou Dionísio!!! Deixei de querer contar nossa história, de me preocupar com a poesia, com a fotografia a cada cena, e voltei a enxergar-te. Tirei-te o ponto final.

Um amor daquele jeito

Quero um amor de qualquer jeito, ou melhor quero um amor daquele jeito sem jeito...
Que vive de se inventar, que se cria vivendo, amando ao som do crescendo da música que o embala. Quero um amor cantado ao ouvido, de beijos roubados e olhares digladiados. Quero sorrisos esquivos por entre a multidão e mãos dadas por baixo da mesa. Quero dedos presos de duas almas livres, corpos entrelaçados de duas mentes cúmplices. Quero gritar Fernando Pessoa e sentir em mim , a matéria prima dos poetas. Quero cantar no refrão em que sou cantada. Quero ser inspirada, e inspirar, quero sentir a cada dia que estou ali. Que existo para te sentir... Não te espero...Porque te sei em mim. Não tenho pressa de te reconhecer no outro...



Comecei a escrever estas palavras, porque vi um vídeo que me enterneceu. Não sou íntima dos protagonistas, no entanto tocaram-me aí mesmo, onde sou apenas eu, sem máscaras, ou palavras grandes. Aí onde me tenho e raras vezes me deixei ter, tocaram-me. Afagaram, resgataram a ternura que há em mim. Apenas porque se amam e não o escondem, também não o exibem, apenas o vivem, de forma livre, limpa. O vídeo reúne fotografias dos dois, viagens, caminhos partilhados... Ele é brasileiro, ela alemã. E cruzaram-se, reconheceram-se, quem sabe a tempos diferentes, ou de imediato... E o filme é uma declaração de amor, de ternura. Simples, pura. Daquelas que não está na tela do cinema, é real. E fico feliz por saber outros, ainda que não próximos, felizes. Acredito no maior poder de todos, o do Amor. E gosto de pensar no meu mundo assim, com homens e mulheres da minha geração que ainda crêem, e, como tal, criam a vida. E tudo isto ao som de Damien Rice (Cannonball)...


Quero um amor daquele jeito, sem pressa, que se espera, que vai, mas volta, que tem saudades, mas que as mata... Que mesmo que morra, se vive.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Inadaptada

Nos dias em que os dias me têm estou viva, sou daqui... Maior parte das vezes sei que não me pertenço, não pertenço aqui. Nada me denuncia. Sou a inadaptada mais adaptada do mundo. Mantem-me aqui o compassar galopante do peito, de cada vez que algo me engrossa o sangue. Sei a que vim, ou finjo saber, e não tenho maior propósito do que acariciar a vida em mim a cada dia... Pensar, mesmo sabendo que pensamos melhor sentindo, e pensar o que sentimos nem sempre faz sentido para além do romance existencialista, e, talvez por isso sedutor para uns, enfadonho para outros... Mas não consigo não me pensar, e tantas vezes é a corda que me ajuda a subir as paredes do poço, como outras tantas, a que me enforca... Aí, nesse lugar onde me magoo, onde sou fracção de mim mesma, mente sem alma, alma sem "pés", não me sei... Corro... Choro... E só no silêncio... Só quando me disponho a ouvir-me, a estar comigo, me remembro por dentro...

Penso demais... Tenho insónias... Mas felizmente sou contradição de saias, pois se me penso é por me sentir demais e quando durmo, nunca me esqueço de sonhar...

Tenho 26 anos... Mas não sei o que são. Continuo a ser eu. Essa coisa de quererem que sejamos grandes incomoda-me , pois o meu Grande afaga o sublime, não dá voltas ao relógio.

Não sei medir o tempo, muito menos a vida, como mulher já me chega medir cintura, anca, peito. Acho pouco imaginativo sermos um número. Se somos, o meu é um 8 invertido, símbolo do infinito, sinónimo do que sou, sinto, penso.

Gosto de me saber mais dura, mas ingénua, de ser uma apaixonada, mas não ansiar alguém.

O Universo certo dia enviou-me mais um anjo. Uma amiga doce, que foi crescendo na minha vida, e , quando vi, eu havia crescido com ela. Tal como eu, a NAYLA é da tribo do Amor. Tal como eu, não se sabe sem pensar o mundo, e, por sua vez, o seu mundo dentro e fora deste. Tal como eu respira-o escrevendo, partilha-se, ou retira-se dele. Nas palavras se evade e se sublima. Só a elas se entrega, tal como eu. Só a elas se confessa.

Um dia ouvia-a dizer, no tom sereno que lhe é característico, e que, a mim, me apazigua a alma, quase que me confessou: "O Amor é uma vibração, temos que deixá-la fluir".

Tenho-a sempre comigo, pois Amigos, tranporto-os todos ao peito, todos os dias, mas oiço várias vezes esta frase, no canto do meu ouvido mais selectivo e és tu quem ma canta, amiga. Também eu creio nela, mas por vezes a ansiedade de amor, de amar, faz-nos não ter paz suficiente para abrigar essa vibração... Tu lembras-me essa paz, o quão a amizade pode ser grande, fraterna, bela. Lembras-me o que é ser plenamente Mulher. Ser pensante, sensual, errante, forte, doce, amante, leve, profundo... Resplandecente.

Obrigada.

domingo, 3 de agosto de 2008

Peso

Hoje acordei, porque a isso me obriga estar viva. Tem dias que sentimos como que uma pedra no estômago que anseia por água onde afogar-nos. E muitas são as águas que escondemos em nós. Esse peso que levamos nas entranhas retira espaço até ao ar, a tudo o que é leve. O ar parece pouco para me manter viva, ou eu, não estou hoje viva o suficiente para que ele me inspire a existir...

domingo, 27 de julho de 2008

Sem título

Quantas vezes tantas se nos esvazia a alma, poucas, a mente.... Nessas vezes poucas, tantas coisas auscultamos, tantos são os ares que nos enchem. E tantos são os tantos que nos entretantos perdem importância, pois fazem já parte de nossa substância, jazem já no que somos, e, jamais o somos sem ter sido. E não digo com isto que não possamos (re)criar-nos, a cada instante, mas a verdade é que, cada criação, vai prenhe dos instantes em que de facto existimos.

Ele fala pausadamente, como quem não tem medo da morte, pois pronuncia cada sílaba, sem o compasso do tempo, colocando nas palavras toda a força que estas podem abarcar. Mas essa força em nada pesa nas palavras, pelo contrário, na sua boca surgem leves, acariciadas pela mente e moldadas por uma inteligência maior, por uma alma consciente.
Ele não teme assumir que doeu, que sofreu, mas sabe que tudo isso, o fez hoje ver que a cada queda, de cada vez que se viu sumir, apagado do mundo, ressurgiu, mais seu, maior. Viu que se havia tornado Grande.
Enternece-me alguém assim, que não teme crescer, que quer ser mais de si, que se detém no tempo, mas que este não contém. A calma que empresta à vida pára o meu tempo, e por isso, gosto de estar perto, porque aí existimos.
E naqueles dias que queria não ser, reduzir-me à cumplicidade entre o nada e a náusea que tantas vezes me invade, nesses dias só alguém assim não me agride. Sei-lhe o valor, tirou-se a ferros de si mesmo, e sei que o que quer que seja, assenta-lhe na alma.

terça-feira, 1 de julho de 2008

E que fazer se agora quando escrevo penso em cada palavra pronunciada pela tua boca. Penso em cada entoação e conotação . Deixaram de ser minhas ou eu é que passei a esta submissão prazeiroza onde viraste meu senhor. Não o digo com qualquer medo , sou fêmea bem resolvida e por isso sei-me mulher. Acho que é umas das coisas que me gostas. Eu gosto quando gostas, quando vens e me tens.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Presente

Fujo tantas vezes de mim, e tantas são as vezes que não tenho pernas para me alcançar. Perco-me de vista e só me sei pelo cheiro. Pergunto-me se me sabes pelo cheiro, pelo som com que prenso o chão. Pelo eco de meu caminho, agitado por entre sons vagos de cabelos que brigam com o vento... Pelo meu pulsar, esse som inaudível, que toca frenético para os amantes.
Estava frio e ela acordara, com a leve secura que o frio leva à boca. No entanto, no estômago, esvoaçam-lhe constantemente borboletas. Talvez bom presságio, ou apenas o fio invísivel que a faz alcançar tudo o que pede.
Por entre luzes que nos cegam, todos se apagam e acendem-se presentes, amigos de caminho, dançam por entre corpos inertes, alegres, braços que se enleiam, pernas que se meneiam, almas que se esquecem, outras acordam, muitas se aquecem. Figuram um videoclip colectivo, dão vida à inanimação plural. O Todo ganha forma, torna-se animado, quente... Ela vira-o assim pela primeira vez, quem sabe um presente, que o acaso, não por acaso lhe traz. Se for um simples acaso, que seja um feliz...
Continua a ter borboletas dentro de si e a gostar de dançar e a ter pernas para se fugir... E a correr tanto nos sonhos que acorda com os lábios secos. Acordada, culpa o frio, mas as borboletas que esvoaçam dentro de si mostram tempos para além do tempo, histórias para além da sua. As asas que nela se agitam, entregam-na a um tempo mágico, não lhe pesam, não a consomem. É apenas aquela ânsia boa, de quem agradece o que está para vir, pois já o sente, não duvida. E por isso, tem em si aquele friozinho, no fundo do seu ser, e borboletas no estômago. Uma inquietude boa, pueril, que a puxa para fora de si mesma, por saber que cada dia, pode ser o dia de abrir os presentes. Todos os dias acaba por descobrir um, vários, pois tem em si a sinonímia da palavra, a gratidão que a abraça, o tempo sem tempo.

domingo, 1 de junho de 2008

Rio 18º

Rio de Janeiro, 18 graus... Amanheci com a chuva... Caíam-me pelas entranhas as gotas gélidas que se entregavam à janela do meu quarto... O azul habitual tornara-se cinzento e tudo parecia diferente, outro cenário, outra cidade. Uma cidade perdida dos Homens ou eles perdidos nela. Sempre me espanta o quanto as cidades se rendem aos céus e se transfiguram. Parecem gente, abraçam uma tal metamorfose, que convida os que as habitam a recolherem-se ao casulo, para também eles se transformarem, ou esconderem.
Cada conflito, duvidazinha, indigestão mental, convulsão do espírito que tenhamos, cresce sob o dilúvio... criam-se poças em nós, e assim, caminho pelas ruas alagadas e revejo-me nelas, sinto-me encolher, a murchar por dentro, levo a pele arrepiada e sinto o chiar do vento sob o chilrear da minha alma... Os dois fazem-me estremecer, um de frio, o outro pela frieza que hoje está em mim... Saudade dos delírios febris.
Quando dou por mim, a noite caíra, mas nem esta acalmara a chuva, a humidade que se colou aos ossos da cidade, aos meus, que abriu fendas nas paredes da minha alma. Hoje sinto-as particularmente fundas, abertas. É daí que vem o frio.

sábado, 24 de maio de 2008

Numa qualquer esquina

O que de melhor há no mundo das mulheres e dos homens, o que o rasga e nos rasga, está sempre à espreita, numa qualquer esquina. Espera-nos, vive sob a calma do nosso desconhecimento. Toma-nos de sobressalto, arranca-nos a razão e torna-nos somente nela. Na surpresa, na fruição de tudo o que veio, e tudo o que de nós sobreveio. O inesperado vence-nos, debilita-nos o espírito numa tontura boa, como aquelas que forçávamos em crianças, rodando sem parar... Entorpece-nos, felizmente a mente, e viramos alma com boca, nariz, dedos que tudo alcançam. Grava-nos memórias, cheiro, voz, pele, a cada pulsar de coração, e aí se encerram. Leva-nos à maior das forças se a reconhecermos... O Amor é assim não se anuncia, mas gosta de ser convidado. Então moldamos a nossa vida, pois este jamais nos solta da fé... Pena que tantos cortem o fio... Acendam a "luz". Começam a pensar, a classificar tudo segundo o tempo e os outros...
Aos caminhos que as esquinas abrem em nós...

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Nox

Janelas infinitas se acendem

Vidas intermitentes, mundos outros que me invadem

Que me guiam no breu e se apagam...

Luzes que se incendeiam sob o meu olhar

Mas jamais me queimam

Acham-me sem ter que me dar



Imagino vidas certas, desconcertantes

Que se iluminam, ou descansam à sombra delas

Imagino corpos, cansados, rijos, amantes

Jantares à luz de velas

Silêncios, sob o foco, gritos surdos

Movimentos curtos, frases cortantes



Corpos sinuosos denunciam palavras poucas

Prendem ecos de vidas loucas

A luz enfraquece, abraça corpos que se amam

Ou que a noite humedece



Por entre reposteiros translúcidos

Luzes se apagam, outras se acendem

Enterram-se sonhos húmidos

Nós na garganta que não se engolem

Destroem amores que não se evolam

Que teimam em ficar

Por não mais terem a quem voltar



Televisões incessantes preenchem horas ocas

Quartos vazios congelam o ar

Esperam alguém que nunca vem

Jamais vemos quem habita aquela toca

Quem toca mas não se tem

Olhos que nem na luz se enxergam

Almas que tantas vezes se vergam



Luzes reticentes, corpos urgentes

Que a cada noite flamejam

Velam suas almas inquietas, quietas

Solidões que me confortam

Porque noite após noite perduram

Expiam meus medos

Em troca de seus segredos

domingo, 11 de maio de 2008

Emancipação da alma

A noite adormece tormentos, esconde olhares baços, ilumina-se em olhos nus. Ao mesmo tempo dá lugar a vidas outras, a personagens que se criam só no breu. Empresta cenário a encontros e a desencontros que desembocam em novos encontros.

Atravessaste a estrada. Sentada naquela cadeira de bar vi cada passo que inscreveste no chão... Vi um caminhar certo de quem cumpre seu destino. Nada fiz para que me notasses, mas as forças silenciosas da minha mente gritaram-no por mim... Paraste... Puxaste uma cadeira e, graciosamente, pediste para te juntar a nós. Ali juntei-me ao teu olhar. Só ali o vi. E tal como o teu caminhar, também teu olhar era certeiro. Tudo tão certo, cada entoação, a dança das mãos, subtil, o jogo de palavras, o riso espontâneo, mas não exagerado, tudo tão na medida certa que se tornou desconcertante. Os cigarros cresciam nas minhas mãos porque me queria abstrair daquela atracção, ainda inominável, que se apoderava de mim. Tentei em vão cruzar conversas, falar com os teus amigos, com as minhas, mas voltava sempre a ti. Impossível não voltar. Havia uma qualquer força impregnada no teu olhar, nos teus gestos, em ti.

Levantámo-nos, deixámos o bar e seguimos para a festa. Fomos todos. Logo à porta senti um frio na espinha, um roçagar de pele... Era a tua mão na minha... Soltaram-se. Entrámos. O bailinho fervia, talvez não. Eu fervia, porque sabia agora que não mais ia fugir. Dançámos, e naquele balancear de corpos, colaste o teu ao meu. Não me beijaste logo. Não havia em nós qualquer pressa, tocava ainda a (nossa) primeira música, mas tinhamos no corpo urgência. Dançámos colados, sentindo cada movimento, e só o movimento do outro. Conhecêmo-nos o jeito, as formas, o cheiro. Nossos corpos já não eram estranhos, e aí, rendêmo-nos ao que nos puxava um para o outro. Colámos lábios e apertámo-nos num beijo, que deu lugar a outro e a outro, sem sequer saber qual era um ou outro. Não mais conseguimos parar...
O despertador toca... Ao meu lado, na cama, o livro "the Secret", nos ouvidos os fones já sem vida... Dormira toda a noite, embalada pela música, entregue à força de meus pensamentos (in)conscientes.
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"Sonho [do latim somniu] – Efeito da emancipação da alma durante o sono. Quando os sentidos ficam entorpecidos, os laços que unem o corpo e a alma se afrouxam. Esta, tornando-se mais livre, recupera em parte suas faculdades de Espírito e entra mais facilmente em comunicação com os seres do mundo incorpóreo. A recordação que ela conserva ao despertar, do que viu em outros lugares e em outros mundos, ou em suas existências passadas, constitui o sonho propriamente dito. Sendo esta recordação apenas parcial, quase sempre incompleta e entremeada com recordações da vigília (acordado), resultam daí, na seqüência dos fatos, soluções de continuidade que lhes rompem a concatenação e produzem esses conjuntos estranhos que parecem sem sentido, pouco mais ou menos, como seria a narração à qual se houvessem truncado, aqui e ali, fragmentos de linhas ou de frases."
In http://http//www.guia.heu.nom.br/sonho.htm#subconsciente2

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Saltos altos (PARA A MINHA MÃE, A MELHOR MÃE DO MUNDO)

Era uma vez uma menina que sonhava ser grande. Calçava os sapatos de salto alto da mãe, mascarava-se por entre brilhos de sombras e o carmim com que pintava os lábios, e encenava como seria um dia, distante, quando fosse grande.
Um dia o dia chegou. Olhou-se no espelho e os dedos que lhe sobravam nos sapatos de salto alto haviam sumido. Crescera.
Cedo percebeu que os sapatos de salto alto que a tinham feito subir às alturas, também lhe faziam maior a queda, sufocavam-lhe os dedos. Percebeu quão útil lhe tinha sido o treino de criança. Tornara-se uma equilibrista, exímia a contornar as depressões da calçada com os seus saltos afiados.
As cores que em criança lhe mascaravam o rosto, desmaiavam rapidamente no rosto de mulher, que se quer mais equilibrista, equilibrada em seus saltos, do que palhaço. Depressa viu que se preferia palhaço. Um palhaço equilibrista, que caminha graciosamente, mas que ri e faz rir. E acima de tudo, os sapatos grandes ensinaram-na a cair e a rir-se da queda, a limpar feridas de guerra e a erguer-se de novo, mulher, palhaço, guerreira no alto dos seus saltos. Ensinaram-na a caminhar de salto partido se necessário, pois salto maior é aquele que nenhum sapateiro conserta, e que ela cedo inscreveu em si.
É hoje mulher, palhaço, equilibrista, trapezista e sobe ao palco sem rede. Não precisa que lhe amparem a queda, pois a rede faz-se dos braços que lhe percorrem a vida. O espetáculo cedo foi montado, ensaiado. E hoje vê-se assim mulher, menina, palhaço equilibrista, trapezista, artista no seu circo e no cerco que criou.
Não tem medo de mascarar a cara, pois a tinta não lhe tinge a Alma. Cresceu sem medo de se fazer mulher, pois nunca deixou de ser aquela menina que queria ser grande... Ainda quer.
Regressa a casa. Sai dos saltos. Mas as asas que a mãe lhe deu ainda menina, não tira nem para dormir. Tornaram-se tão suas que se lhe colaram à pele... São membranas dos sonhos, evolução genética que mães Grandes passam às filhas para um dia também estas passarem às suas... Os saltos são ilusão, treinaram-lhe as quedas, o equilíbrio, a graciosidade com que abre caminho e a força com que crava o chão. Mas o salto maior leva-o sempre preso nas asas. Não as tira nem para dormir.
OBRIGADA MUMMY POR TODAS AS TEATRICES, POR SERES SEMPRE ASSIM, TÃO FÊMEA, MULHER, MENINA. FOSTE E ÉS O MAIS BELO DOS ESPELHOS E SEMPRE ME ENSINASTE A CALÇAR SAPATOS ALHEIOS... POR TUDO ISSO ME SEI QUEM SOU, PORQUE UM DIA FUI AQUELA, A TUA MENINA... AINDA SOU.

Não me compadeço com fins

Entrego-me pelo meio

E nesse nó em que me enleio

Vivo minha história

Conto-me em directo

Pois não preciso de tecto

Vivo-me a céu aberto

Com a chuva a encolher-me a Alma

Na calma de cada vida suspensa

Na mente de cada um que se pensa

Que se prende e solta em mim

A esta história dou voz

Nela ato os nós dos dedos

Afago e afasto medos

Caravana de emoções

Há lugares e pessoas tão nossos que nos libertam de nós, e, graciosamente, deles também. Assim nos têm. Prendem-nos na liberdade deliciosa de nos perdermos por entre cheiros, vozes, silêncos, cores desmaiadas, vivas, presas à tela que nos prega à vida. Somos de tal forma deles que não sabemos se os achámos, ou se somos nós seu achado. Nunca os perdemos. Viajam nos cheiros que trazemos connosco, nas vozes que ecoam a cada adormecer, nas brisas que nos afagam a alma e nos ventos que nos chicoteiam o corpo.
Em todos e cada um estamos nós. Dão-nos novas entoações, conotações, novas formas de olhar. Criamos novas matizes das cores primárias que nos pintam a alma. Ganhamos texturas e molduras várias.
Nunca fui tão escarlate como hoje, nunca meu fogo foi tão carmim, pois esquentam-no as carnes de todos aqueles cujo o eco das vozes toca em mim. Virei sinestesia ambulante e a cada som, vejo cores, sigo cheiros, reconheço outros, perco-me, reencontro-me. E assim não sei se são os lugares meus, as pessoas, se sou eu. Todos nós misturados pintamos retratos vários, múltiplos de mim. O todo não se entrega a divisões, e a parcela que sou só ganha sentido nesse todo. Minhas cores só se incendeiam e tornam vivas ao lado de aqueloutras mais apagadas. E assim, mesclada, me fiz mais humana, mais quente, mais fria, mulher, mais amante, mais amada, mais minha, mais VIVA!
Sou caravana ambulante de emoções e por onde quer que ande, onde quer que pare, trago-os a todos e cada um - lugares, pessoas, cheiros, cores, sabores, beijos, abraços, gritos, risos, vozes, silêncios, cantos, ecos, mãos - em mim.

Narradores

Tudo começa com "era uma vez"...
Vivemos para narrar nossa história
Prenderam-nos na voz da memória
E soltaram-nos no presente
No tom de voz quente, frio
Num arrepio incoerente
Vivemo-lo para o contar
Soltei-me, girei, giro sem parar
Parei de pensar no fim
Parei para olhar para mim
Estonteei-me nas voltas que dei, que dou
Desfruto da confusão que me invadiu
Tudo o que vejo se mistura com o quem já viu
Adoro sentir-me tonta, ver tudo desfocado
Ganhar novos focos
A miopia fez-me crescer os olhos
E os argumentos poucos
Da minha história incharam
Cresceram, estão vivos, momentos
Que não mais serão contados
São sulcos do meu ser
Vividos, agraciados
Que não mais querem viver
Felizes para sempre
Apenas querem girar
No disco que toca em mim sem parar :
"Era uma vez uma história sem fim"

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Agora

Tem dias em que tudo nos pressiona, precipita

(Grita!)

Para a depressão de ser

Ser assim, triste tristinho...

Sentir-me sufocada num qualquer cantinho

Escuro do tempo, do espaço, de mim

Instala-se a penumbra

E numa qualquer catacumba

Sobrevivo e só penso em respirar

Inspiro e expulso a vida, o ar

E esqueço-me de mim

Só quero acordar num outro tempo

E ressurgir com a aurora

Deitar o relógio fora

E esquecer-me que para tudo tem hora

Só quero existir no Agora

Apenas ele é eterno

É o braço terno que me abraça

Que me deita à vida

E a embala em mim

Escorraça-me o medo

Quando alguém me confia seu segredo

Nele não há hora certa para dormir

Viram-se noites, corpos, copos

E bebe-se tudo o que está para vir

No compasso das pulsações

Embrulham-se corpos extenuados

Enrolam-se pensamentos suados

Sob o manto das intuições

Misturam-se línguas

Peles cruas, vidas nuas

Lábios molhados

Falam por entre dedos entrelaçados

Que afagam e afogam horas

Dedilham as cordas onde se prende o grito

Soltam-no por entre um olhar aflito

Auroras que irrompem por entre beijos, abraços

E fazem luz em olhos baços

(A toda hora, no Agora).

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Chuva

Hoje sei-me pedra da calçada

Rasgada pela água que cai dos céus

Tento nela lavar minha cara

Descobrir-me para lá da máscara

No meus múltiplos "Eus"


Como as pedras também eu tenho fendas

Hoje sinto-as abertas

Desperta que estou nesta anestesia que me tomou

De assalto, sobressalto em que vou

Tantos são os olhos, as vendas

Que não me vêem para além do que aparentemente sou

Poucos aqueles a quem me dou

Esses limpam minha cara

A maquilhagem que me escorre por entre a Alma



A chuva cai doce e calma

Entrelaçada no sal de minhas lágrimas

Pára no precipício do meu sorriso

Acalma-se no meu suplício

Descansa nas minhas preces

Mas não me arrefece as entranhas

Colho afecto em almas estranhas

Sou Alma quente, incandescente

Em todos e em cada um dos meu "Eus"

Sou fogo, chama ardente

Grito-o para todos os céus



Ardo hoje no beco que sou

Mas amanhã serei caminho... Vou.

Sigo o rasto do meu segredo

Sei-me Alma pernilonga, sem medo

De caminhar, rasgar pedras da calçada

Penetrar e ser penetrada

Pela força que me faz parar

A mesma que me move e me faz andar

Aos inertes aceno na estrada

Por onde caminho de alma lavada

E no discorrer de pensamentos

Confronto sentimentos, intuições

E encerro meus lamentos

Na caixa forte das palpitações

Ao cair da pena, cai o pano

Amanhã encenarei nova cena

(Parou de chover)

terça-feira, 22 de abril de 2008

Aposento o telescópio [Para olhar-te nos olhos] - Texto da minha grande amiga Nayla

(Obrigado pelo maior dos presentes Naylinha... As palavras são sementes, proliferam consciências, visões para além das nossas... E ter uma amiga que vê tantas coisas é ter uma vida maior! Te ADORO!!! Obrigada por estar em minha vida! Vaidade é pouco para dizer o que sinto ao ouvir que este é "meu retrato fiel"... Tudo farei para lhe ser fiel.)
És como as estrelas,
Que brilham mesmo ao longe.
[Pois quando irradias intensidade, liberta-te de ti e nos alcança o olhar].
Estrelas, como vós, são infinita explosão.
Iniciam e encerram-se em si mesmas.
Mas, iluminam muito além de si.
[Tens vida própria, mas anima vidas outras].
Entretanto, mesmo as mais belas estrelas,
De qualquer ordem ou grandeza,
Quando vistas com muita proximidade,
Ofuscam os olhos de quem as vê.
O que poderia parecer incômodo,
Se na verdade, elas não estivessem a nos oferecer,
Uma nova possibilidade de olhar.
Enxergar de perto a estrela que és,
Requer uma sensibilidade que nem todos possuem.
Mas que graça teria afinal?
De atrair olhares, se não os mais atentos?
[Explode. E não te deixes nunca arrefecer].
Só as estrelas podem entender a magnitude do céu.
E não lhes cabe lugar melhor no mundo,
Que o universo inteiro - vai ver por isso ele é tão repleto delas.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Rasgos de luz (inspirado no filme-documentário "Born into Brothels" de Ross Kauffman e Zana Briski)

Assumo-me contradição, aí se deita meu equílibrio, aí afago a harmonia. Não mais quero agarrá-la, sugá-la de temperos, pois assim sou eu, não plana, sou curvílinea... O espelho sempre me fez adivinhar. A natureza dá-nos pistas. Hoje enxergo-as, e gosto-me assim, sem rectas a não ser as que traço a cada passo que me destino a dar... Não tenho destino , ou melhor , tenho-o traçado nas curvas que me sulcam a alma... Estou destinada a Amar, perdida e incondicionalmente. Sou Amante e não sei fazer a vida senão assim.


















Revejo-me em cada olhar de esperança, não gosto de ter pena, prefiro agarrar-me ao pensamento contrário, ao que constrói, aquele que sonha e traça um rumo para lá das compaixõezinhas dos que sentem que, por tê-las, podem dormir descansados... Não acredito na pena e só creio na compaixão activa, naquela que intenta, inventa, vai e faz... A pena nada faz a não ser por quem a sente, que assim se pensa bom, humano, próximo dos que sofrem. No fundo a pena é não mais que uma redoma, leva-os para o porto seguro da consciência tranquila, leva-os à sensação de serem bons homens e mulheres, bons cristãos. Pois que se esforcem, visualizem criativamente a diferença... Vi-a nos olhos de Avijit: o menino fotógrafo da Índia (in Zana Briski and Ross Kauffman's "Born into Brothels")...
Tinha os olhos rasgados pelas lágrimas que a vida já o fizera presenciar, ainda que não fossem suas, tinha neles muitas lágrimas emprestadas. Vivia na zona de prostituição de Calcutá e é especial. Tem um dom, consegue ver clínica e friamente tudo aquilo que vive diariamente desde que nasceu. No entanto transpõe emoções infindáveis, cruas, despidas nas suas fotografias. Também pinta maravilhosamente, o que já lhe granjeou vários prémios que a avó mostra orgulhosa para as câmaras.
A maturidade não lhe é contornada pelos anos (11 no filme), mas pela alma. Avijit é grande em qualquer idade e em qualquer lugar do mundo. É daqueles que tem um qualquer lugar só dele e consegue, através da fotografia, da pintura, abrir janelas da alma.
A fotografia tem sido companheira, motor de sonhos de Avijit e de outros companheiros, meninos e meninas que vivem também na zona de prostituição de Calcutá, filhos de mães prostitutas que convivem a cada dia com a morte dos seus sonhos. É difícil acreditarem que vão conseguir estudar, ir para a universidade, ter uma vida escolhida. Mas o Universo envia presentes. (Não nos podemos é esquecer de pedi-los. SEM MEDO!) Um deles foi a fotógrafa inglesa, sediada em Nova Iorque, Zana Briski, que eles carinhosamente chamam de tia Zana. Zana não se limitou à pena, foi lá e fez acontecer.
Zana chegou à Redlight (bairro da luz vermelha - zona de prostituição de Calcutá) para fotografar os bordéis e as mulheres que neles viviam. Mas apaixonou-se por estas crianças e criou, não se limitou a reagir. Começou por dar a cada menino e menina (no total são sete) uma máquina fotográfica e começou a dar-lhes aulas de fotografia, tudo isto para que o mundo visse como eles vêem. Estas sessões semanais com a tia Zana, alguém de tão longe, que sonhava junto a eles, relembrou-lhes que tudo é possível, quando já começavam a esquecê-lo... Voltaram a sonhar. Sonhavam poder estudar, poder ter uma vida melhor fora daquele cemitério de sonhos. Antes Avijit dizia mesmo: "não há a palavra esperança no meu futuro". No entanto tudo mudou...
Avijit destacava-se e imprimia força em cada olhar da sua câmara. Aprendeu a usá-la como uma arma e percebeu que a força desta era muito mais poderosa do que a de tiros. O seu carisma e talento garantiram-lhe o convite por parte da World Press Photo Foundation em Amesterdão, para ser parte do júri de Crianças de 2002, que reunia crianças de todo o mundo. No filme vemos como é emocionante para Avijit ir a Amesterdão... Diz mesmo que não pode perder o avião, porque vai realizar os seus sonhos... O menino que não via esperança, pois as lentes da sua máquina fotográfica não reflectiam nenhuma, passou a ver um futuro, uma realidade construída em cima de sonhos... Havia um caminho, tinha que segui-lo.
Mas não foi fácil e vemo-lo ao longo deste documentário, desta saga em busca de sonhos, ou apenas de poder sonhá-los...
Todos estas crianças cresceram em bordéis, brincando em cima de telhados, enquanto suas mães, avós e tias se prostituiam em "baixo do seu chão". Desde cedo aprenderam a aceitar o destino, pois o livre arbítrio estava-lhes vedado. Todos eles começavam já a perder a luz dos sonhos no olhar. Zana resgatou-a com o seu projecto Kids with Cameras. Mais do que um sonho, ela deu-lhes ferramentas para sonhar. Mas urgia tirá-los de lá, daquela zona estéril de oportunidades.
Embora crianças, quando falam da sua realidade, enrijecem-lhes os olhos, principalmente a Avijit, que não vê pernas para os sonhos andarem na Redlight (bairro da luz vermelha - zona de prostituição de Calcutá). Avijit vê mais além e não gosta do que vê.
Durante as filmagens a mãe de Avijit morre, supostamente pela mão do homem que a explorava. Avijit que até então, era o mais concentrado na fotografia afastou-se, desinteressou-se, como se o mundo lhe voltasse a lembrar qual o seu destino. Para além da mãe, resta-lhe a avó. Fala com tristeza do pai, que recorda, pela boca dos vizinhos, como tendo sido forte e capaz de derrubar dois homens. Hoje o pai entregou-se de vez ao vício de haxixe, e mais não faz do que dedicar-se o dia todo a esta tarefa. Não reage a qualquer estímulo vital, vive adormecido, escolheu viver anestesiado e abandonou os seus. Avijit olha-o como se não fosse mais seu pai, o outrora corpo robusto transformou-se no homem frágil que as câmaras retratam, enquanto Avijit narra sua história. Avijit não tem no pai qualquer apoio, pois que dele apenas tem o corpo , pois há muito que ele não o habita. E perdeu a mãe, a sua querida mãe que tanto amava. Mas Zana sabia que por detrás daquela dor, que se manifestava agora através de apatia e do abandono dos seus sonhos (pois Avijit deixara de fotografar e pintar), havia uma luz poderosa moldada pela alma grande de Avijit e não desistiu dele. Apercebeu-se que aquele momento era crucial. Ali se definiria uma vida cheia de possibilidades, ou mais uma entre tantas outras daquela zona, exactamente escura, igual.
Zana tratou de tudo para fazer a diferença, para construir um novo fim para estas histórias, para que não se repitam uma vez mais padrões genéticos, como se o destino estivesse agarrado ao ADN destas crianças. Zana tenta encontrar escolas, internatos que recebam estas crianças, que as alimentem, estimulem, e, acima de tudo que as mantenham longe da Redlight (bairro da luz vermelha - zona de prostituição de Calcutá). A tarefa não foi fácil, pois tinha de procurar uma escola para as meninas e outra para os meninos. Mais que isso, uma instituição disposta a acolher estes filhos de prostitutas. Seguiram-se esperas intermináveis, nãos atrás de nãos, testes de HIV e burocracias inúteis que ameaçam qualquer vontade de mudança.
Mas tudo mudou. Ela foi lá e fez. Não se limitou à pena, que apenas recriaria o passado na vida destas crianças. Criou oportunidades, algo que de nascença lhes havia sido ceifado. Hoje Avijit estuda numa excelente escola nos Estados Unidos com uma bolsa de estudos. O futuro adivinha-se diferente. A palavra esperança, que não existia no seu futuro passou a existir no presente.
Zana conseguiu reescrever a história... E Kids with Cameras continua pelo mundo fora, para nos lembrar que há olhares bem diferentes do nosso e que há visões que o nosso olhar não alcança...
Rasgos de luz que de quando em quando nos levam a ver mais além.

By Avijit


By Avijit

By Avijit

By Kochi

By Gour



sexta-feira, 28 de março de 2008

Felino

Nos teus olhos de felino despenteado
Deixo os meus.. Não consigo não olhá-los
Olham-me sem me olhar
Mas vês-me para além deles
Passo-te a mão pelo pêlo
Gosto de ti emaranhado
Livre até aos cabelos...
Prendes-me com a arte de me deixar solta
E nesse devaneio não mais me creio sem ti
Não te quero, não te sinto demais, mas és encantado
Quebra esse encanto, pois adivinho meu pranto
Sei-me capaz de me pôr inteira e não como metades
Não te quero meu, mas para mim
Quero-te para lá das vaidades
Quero-te assim tanto , sim
Perco-me nesse olhar frio
Porque te sei quente, não vazio
Enche-me de ti, deixa que te perscrute a alma
Despe-me as saias do medo
Tira-lhe os laços de cetim
Grito-me sem medo, mas temo-te a ti
Sei-te capaz de me fazer sair de mim...
Não te quero assim tanto
A menos que esse tanto
Seja o tanto que me queres a mim

Diferente

Sei-te diferente, sinto-te o gosto...
Um travo quente
Que me aquece o frio da espinha
De cada vez que a tua língua encontra a minha
És um quente frio...
Sei-te tão teu que jamais serás meu
Mas gosto-te assim, livre, despenteado
Entrelaçado em mim
Não te sei bom ou mau mas sei-te em mim
Não te sei anjo ou diabo mas vejo-te as asas
Gosto-te dos olhos, do cheiro...
Já os sei de cor
Mas não te quero gostar
Ainda me perco de mim
Na língua tua
Já lhe conheço a dança, mas finjo não lembrar
Não lhe conhecer os passos
Morde-me a ânsia, trincas-me os lábios
Por entre abraços
Afogo-me em ti, não me quero salvar
Quero fugir-te mas vou até ti
E no teu quente frio perco o fio...
Não quero mais saber de mim, de ti
Apenas sentir-te o gosto
Ver teu rosto de moldura emaranhada
E sentir-me naquele momento, em ti enleada,
Mulher amada...

segunda-feira, 24 de março de 2008

Sonhos

Sei-me triste, pois só me sabendo assim me soube feliz. Sei-me tua, mas só depois de me saber minha... No fundo não me sei, pois de mim me levei... Às vezes volto e nessas voltas me evoco... Sou assim, ilusão real, embora não saiba qual precede qual. Sei-me sem tempo ou espaço. Sei-me com asas, mas não pássaro, sei-me dos ares mas gosto da Terra. Sei-me do mar e viva para amar. Sei-me quente, mas já me viste fria. Sei-me assim, simples sinestesia. Sei-me livre e só assim me prendo, só assim me vivo. Sei-me sem me saber e nesta consciência inconsciente, sei-me dos sonhos que me sonham e me têm deles, e que, de quando em quando, me emprestam à vida. São sonhos só meus, grandes, pequeninos. Estás lá... Mas não te conheço o rosto... Sempre que tento, que me aproximo, desvanece. Mas sei-te lá! Vislumbro-te o contorno do corpo, sinto-te o cheiro...Cheiras bem... Esticas-me a mão. Caminhamos de dedos entrelaçados. Acordo! Perdi-me de ti.... Não te sei mais, não me lembro do teu rosto... Mas conheço-te o cheiro.