Fujo tantas vezes de mim, e tantas são as vezes que não tenho pernas para me alcançar. Perco-me de vista e só me sei pelo cheiro. Pergunto-me se me sabes pelo cheiro, pelo som com que prenso o chão. Pelo eco de meu caminho, agitado por entre sons vagos de cabelos que brigam com o vento... Pelo meu pulsar, esse som inaudível, que toca frenético para os amantes.
Estava frio e ela acordara, com a leve secura que o frio leva à boca. No entanto, no estômago, esvoaçam-lhe constantemente borboletas. Talvez bom presságio, ou apenas o fio invísivel que a faz alcançar tudo o que pede.
Por entre luzes que nos cegam, todos se apagam e acendem-se presentes, amigos de caminho, dançam por entre corpos inertes, alegres, braços que se enleiam, pernas que se meneiam, almas que se esquecem, outras acordam, muitas se aquecem. Figuram um videoclip colectivo, dão vida à inanimação plural. O Todo ganha forma, torna-se animado, quente... Ela vira-o assim pela primeira vez, quem sabe um presente, que o acaso, não por acaso lhe traz. Se for um simples acaso, que seja um feliz...
Continua a ter borboletas dentro de si e a gostar de dançar e a ter pernas para se fugir... E a correr tanto nos sonhos que acorda com os lábios secos. Acordada, culpa o frio, mas as borboletas que esvoaçam dentro de si mostram tempos para além do tempo, histórias para além da sua. As asas que nela se agitam, entregam-na a um tempo mágico, não lhe pesam, não a consomem. É apenas aquela ânsia boa, de quem agradece o que está para vir, pois já o sente, não duvida. E por isso, tem em si aquele friozinho, no fundo do seu ser, e borboletas no estômago. Uma inquietude boa, pueril, que a puxa para fora de si mesma, por saber que cada dia, pode ser o dia de abrir os presentes. Todos os dias acaba por descobrir um, vários, pois tem em si a sinonímia da palavra, a gratidão que a abraça, o tempo sem tempo.