No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Círculos

E as pernas longas, para ela apenas fortes, capaz de a fazer chegar, membros ágeis e diletantes, para os homens, fortes ganchos capazes de os apertar contra a vida, rodavam, giravam, dançavam. Com elas desenhava círculos no chão, circundava o seu mundo, fingindo assim ter um centro. Colocou-as em posição de compasso, uma perna recta, vertical, que a prendia ao chão, e com a outra girava, criava órbitas de si mesma. Não se parecia com uma dança, mas talvez fosse apenas isso. Os círculos dispersavam-se tal qual bolas de sabão e neste ritual consigo mesma, tomava consciência do seu corpo, do espaço, e fazia por esquecer o tempo e os outros. Não olhava para quem a observava, pois ali estava comprometida consigo mesma, e a estranheza dos seus movimentos, realçava ainda mais a harmonia do seu corpo de fêmea. Era impossível ignorá-la, mas tornara-se também intangível às frases proferidas pelo intelecto. Apenas o silêncio podia alcançá-la, o movimento, o vento, o nada. Ali podia de repente, num piso de areia molhada, criar tudo. Ali estava o seu mundo, e por instantes, fracções de segundo, foi feliz, entregue a um amor tão profundo que a ninguém se destinava, e pertencia a todos. Ouvia vozes, ecos, gritos sufocados na cabeça e, por fim, conseguiu chegar a um vazio doce, que apenas lhe cantava a brisa e trazia cheiros fortes de maresia. Esqueceu o pessimismo, despiu os medos, e dançou, dançou, não poupou o corpo naquela entrega urgente que não cabia mais em si. Sem dizer uma palavra, libertou-se de todas as que tinha contido em nome de alguém, em nome de qualquer coisa que desconhecia. Vieram-lhe à mente as filosofias, a alegoria de Platão, e viu seu mundo na caverna, e dançou e dançou, e quanto mais se movia, com ajuda do vento, mais a luz se acendia, passeou pelos racionalismos, pelos imperativos dela e dos outros e viu que nela imperava, a criação, a vida, a compreensão, e que a falta delas a sufocava, a levava à descrença, e por fim, à apatia. A sensação de quão seu mundo lhe fugia abatia-a, não mais sabia se devia segurá-lo, ou deixá-lo ir. Encontrou conforto no embater das vagas, no embalar do mar, ali surgindo, seu espelho. Ainda que sem centro continuava a ter duas pernas para desenhar novos mundos, repetia, quando não mais suportava o silêncio, quando este era atropelado por pensamentos, quando estes lhe tiravam a paz. E continuou, riscou a areia fazendo um mapa de sonhos, ininteligível a não ser para ela. Sabia o que cada marca no chão era, as de raiva, as de medo, as de sonho, de alegria, cada uma picotando o chão e se agarrando à vida, ao presente. Ali viu-se real, desvendada pelo chão. E de areia húmida colada aos pés foi para casa.
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