No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

terça-feira, 19 de abril de 2011

Carta a Cris(tiana)

Recebi uma carta tua!... Adoro receber cartas. A sensação de que alguém se quis dar de tal forma e sem hesitações, que se oferece em palavras, que as pensou, e/ou as sentiu e no-las devolve de forma perene. As cartas que nos escolhem quase sempre nos revelam uma disponibilidade do outro perante nós... Nunca deixo de sentir quando me agradecem vivências, momentos, experimentos, que sou eu quem na verdade agradeço, ter a meu lado, ser que se permite vivê-las, que se dá de tal forma, ou se sente numa dimensão onde dar e receber são uma única matéria, impalpável às mãos mais atentas. E aí nascem bolhas de tempo, estufas de nós mesmos, onde adoçamos e onde depuram os nossos mais subtis sabores... Bolhas envoltas em energias partilhadas, onde, como dizes tão bem, há o conforto de poder amar e errar.
Engraçado, ou não... Mas antes de acabar de ler a tua (nossa) carta e de ler essas palavras que aqui sinto, precisamente neste parágrafo, disse-te como sinto ser o Amor o maior acto, forma, matéria, capaz de nos sublimar, pois que quando o vivemos, vivemos o mais próximo, ou em constante caminho do aperfeiçoamento do nosso ser (deixamos de ter pernas para nos fugir, porque nos inundamos em compreensão, e ficamos capazes de transformar o mundo, porque nos fundimos nele). Desse Eu que se afunda em corpo, que troca de mãos, que despreza lágrimas, que se envolve em medos, que se priva em pensamentos, mas que se salva aí... Quando erra e alguém o ama... Falava-te do que hoje li em ti, do que não ansiava por palavras, nem as temia, pois tenho, em ti, infindável compreensão.
Quero um amor (de levar para casa) assim, elástico como a nossa amizade, desses dos nossos, em que escreves cartas que são para mim, mas que te levam mensagens, onde nos lemos e que quando nos apartamos das palavras, ganham forma a cada dia, e não sei bem se os momentos precedem as palavras ou se o contrário. Talvez seja eu teu invento e mais não tenha vida se não de ti, talvez tenhas sido tu a criar as histórias que me saem dos dedos, que se sacodem dos meus dias... Onde ando sempre com um trolley invisível, mas que tu vês, só tu, e para quem o abro, uma mala assim com a textura da minha clutch dourada e com o cheiro de vários céus, como se em cada lugar, para onde partimos, daquele aeroporto da tua carta, nos soubesse a algo novo, como se até uma simples língua de fora pudesse tocar o céu e saber-lhe o gosto... E tu com a tua trolley preta com glitters e pega prateada, exactamente como a queres nesse nosso canto da tua imaginação... Elas levam tanto, mas o que mais gosto é que não nos pesam, rolamo-las lado a lado, e sabemos que tudo o que elas levam pode ser por nós (re)criado, por isso afeiçoámo-nos a elas, não pelo o que nos fazem ter, mas porque nos lembram o que podemos criar... E porque têm rodas, as minhas douradas, as tuas prata, que as fazem capazes de seguir, de rolar estradas de terra batida, onde deixam o trilho que logo a terra esquece, mas que nos leva aqui, ali, a um algures onde o céu nos sente o gosto.
Ando a rodear, porque não gosto de cobardias de alma, e só as assumo para ti, minha alma cúmplice, e não gosto de me emprestar a medos. Se os tenho, digo-os alto, tento, grito, ou substituo-os por amores maiores.
Também quero um amor desses que escreves, esse por quem discorremos sem medo da forma ou borrões de tinta. Esse amor que não nos julga, porque compreende, nos intui, para quem as cartas são transcrições telepáticas pensadas com a alma. Esse amor que nos faz perseguir o maior em nós, mas que nos abraça quando estamos pequeninos, que se faz ombro a cada tropeção no caminho. Esse amor que me acha perfeita, mesmo quando acordo submersa em insatisfação. Esse amor que cheira a sais de frutos quando acordo com náusea (da vida). Esse amor que me acolhe, que me faz em qualquer esquina molhada e mal iluminada, sentir em casa. Esse amor que é maior que o mundo, pois nele está o meu. Esse amor que é mais que um homem, uma mulher, que se faz e acontece em amigos, em cada um de nós, que se permite fluir nessa vibração, que navega na ressonância mais subtil da nossa alma, na melodia inaudível do chakra do coração. Esse amor que se reconhece em olhares e que se dá a mãos, que me quer aqui, ali, a caminho, sem me cobrar a meta... E que me deixa mudar o caminho, voltar atrás, começar tudo outra vez, voltar ao fim, SER enfim. Esse amor que é, está, que me quer, recolhe, expande, que me faz ser doce, paciente, porque esquece o tempo... Esse amor que cria em mim histórias que nunca canso de contar, porque são testemunhos de que me vivo aí, sintonizada numa corrente invisível que tudo liga e que me solta de tudo a que realmente não ligo... Histórias que me dão e devolvem palavras, como se aumentassem o banco de dados da minha imaginação, como se fosse uma língua inventada onde cada palavra cresce em significados e em sujeitos, onde cada um faz seu verbo, onde não me detenho na semântica, uma língua sem lugar para erros... A linguagem do coração. E cada um vem cheio de palavras novas, frases feitas por desfazer... Alguns nem usam pontuação, outros ligam-se por reticências para não se perderem para pontos finais... Ou à espera de serem completados. Temos ainda o coração descritivo, que tudo enuncia, e enumera na precedência do imperativo e de dois pontos. E a mesma palavra nunca é a mesma, quando digitada, pronunciada, cozinhada nesta língua sem pátria, e onde todos somos Deus. Esta língua só se aprende de uma forma... Na escuta. E não se faz no grito, embora se liberte nele algumas vezes. E revela-se na minha palavra, que colo à tua, ou na tua que agora sinto minha, naquele significado que achava ser apenas em mim e que também descubro teu. E assim escrevem-se histórias (pelo menos as minhas)...
Esse amor onde me escreves para te saber, te sentir, para que te oiça, pois não temes o meu ouvido... Sabes ter nele poiso para o pior e melhor de ti... Sabes poder amar e errar, errar a amar, amar o erro.
É tão bom encontrar tamanha doçura, compreensão, mesmo quando não dizemos nada, principalmente quando não nos precisamos pôr em palavras.
Não acredito nessa tua suposta secura, pois nunca a conheci, e tu para mim és e tens a inteligência cortante de quem se traz, teimosamente, pelo tempo e um coração pensante de quem desfaz tudo num segundo...
E pelo meio vivemos entregues a delírios que nos fazem reais. E o melhor é que podemos errar, e nesta nossa casa não há portas, nunca vamos embora ou precisamos voltar... Mas podemos sempre ir para casa.