No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Pós Prilimpimpim

Alma livre, empoeirada

Leva entranhado o pó da estrada

Uma poeira leve, dourada.

E sei-me também eu grão,

Errante, viajante delirante,

A cada delírio são, em cada passo vão, distante.

Colhi pelo caminho os pós prilimpimpim

Aqueles que fazem sempre mais de mim

Os pós mágicos, sementes de ilusão

Que germinam a quem lhes estende a mão

Trago-os sempre no bolso,

Por vezes sacudo-os do dorso,

Quando encolho as asas.

E quando diante do nada,

Lembro-me de minha condição de fada

E o nada vira arremesso

E nesse salto me aqueço

E sigo nova estrada

Quarto escuro

Sempre achei ser algo construído, racionalmente ainda acho. Vem preso às pernas da reciprocidade e, se uma falha, fica manco, vagueia coxo e assombra a vida dos que não mais lhe dão vida. Acho que o Amor é assim. Normalmente, o feliz não enche páginas, vagamente um cartão, uma carta, pois vive ocupando os dias dos que o recebem e dão.

Mas deparo-me com uma nova estirpe. Algo diferente, que julguei, erroneamente, poder apenas ser paixão. Uma transmutação rara, que vive debaixo da pele, que toma conta dos sentidos e, mais que tudo, invade as intuições. É força estranha, motriz, que mesmo quando aquieta e se toma pela razão, vive e volta em qualquer sinal que a intuição não deixa esquecer e que a mente tenta em vão esconder. Não lhe chamo Amor pleno, pois a plenitude vive-se naquilo que pomos no outro e no que o outro põe em nós. Mas está em mim, de uma forma bizarra, agarrado de uma forma livre, como se uma linha invisível nos puxasse na direcção que só os olhos não querem ver.

Hoje escrevo pelo meu punho, pois o meu computador encontra-se moribundo. A máquina foi vencida. O meu portátil morre um pouco mais a cada dia, mas sobrevive estoicamente em modo de segurança. Tenho pensado nisso. Muitos vivem assim, como um computador retardado, em modo de segurança. Apenas assegurando as funções básicas, privando-se dos riscos, os rasgos de acaso improgramáveis, que nos transportam ao melhor e ao pior. E nada melhor para anestesiar a alma, do que converter-se em atrasado emocional e viver, "seguramente", a vida. Muitos "computadores cansados" se passeiam nas ruas no seu confortável modo de segurança, para garantir sobrevivência. Apenas permitem acesso a alguns programas, ficheiros deles mesmos, e outros, pura e simplesmente desaparecem, riscos que eram para o sistema nervoso central. Sobrevivem à morte, à dor, mas não à vida. Pensam e vivem devagar para ser eternos. E vivem morrendo para não morrer. A antítese new age pela qual tantos subitamente buscam luzes, iluminações externas, quando se fecharam num quarto escuro.

Lembro-me do quarto escuro, brincadeira de crianças. Cada qual escolhe um esconderijo, para que alguém o ache no meio do breu. Acho que muitos continuam a brincar, ainda hoje, no escuro, e, sem saber, esperam que alguém os encontre e acenda a luz. Por vezes basta abrir os olhos.

A lua disse-me

Estou inquieta. Mente, corpo e espírito. Apenas escrever me acalma. A sensação de partilhar, de tirar de mim, oferece-me a maior das evasões.



Vagueio pelo quarto, acendo um cigarro, olho pela janela... E nada me acalma, me resigna com a vida. Levanto-me, dirijo-me novamente à janela, em busca de algo maior do que eu, que sufoque minha sofreguidão.



A noite está no mínimo bela. O céu mistura sua negritude com reflexos acobreados. Por entre matizes várias, esconde a lua. Não a encontro. Fui em busca dela, ela dá-me paz, na sua vigília silenciosa. Mas hoje está inalcançável , pelo menos aos meus olhos. Mas a noite não perde por isso beleza, e a sua ausência sentida, parece que a faz ainda mais presente. A lua, tantas vezes associada ao oculto, ao lado feminino, ao indizível. Mulher de fases e que, por vezes, quando a não vemos, se torna maior em nós, tamanha é a crença de que todas as noites nos vela. Mulher de fases que clareia, mas que não é clara, que ilumina, mas não se faz só de luz. Que é luz, mas não é estrela. Que não tem medo do escuro, pois nele se faz luz. A lua diz-nos tantas coisas quando a olhamos, e escutamos, e nos permitimos perscrutar a nós mesmos, sob a sua doce e velada luz.



Hoje a lua disse-me que, por vezes (a) procuro e não acho, mas está lá, apenas não vejo, mas se fechar os olhos, e me abrir para uma visão maior, vou saber, ver para lá do véu.



Há pequenos sinais onde quer quer que os queiramos ler, há meras coincidências quando queremos ser compreendidos. Olhei de novo sobre a janela do meu quarto. Debrucei-me sobre mim mesma para ver se "via". No cimo, numa distância que as sensações foram encurtando, acenava-me, de braços abertos o Cristo Redentor, iluminado. O céu encobrira a lua, mas deixou-o a descoberto para mim. Nele repousei minha inquietação e ansiedades. e na tinta que discorre por estas páginas as partilho, consoladamente. (A minha terapia está ao alcance de uma bic).



Hoje a lua na sua omnipresença, ou presença subtil, resgatou a minha fé, quando a frequência do dia a baixara, na tentativa de extingui-la. Mas antes de dormir lembrei-me que é real. Existe, vive em mim, mesmo que às vezes a não veja.


Nasci para viver esta vida e a cada escolha ser mais eu.


sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sopro no coração

Saudades de quem era há um sopro atrás, aquele sobre o qual suspendia meus sonhos e pendia meus medos. Saudades de como me dava à vida, na displicência própria de quem tem todo tempo para se dar ao riso, ao grito, ao choro e à dor. Até o sofrer tinha mais cor, mais melodrama, parecia tão mortal. E a tristeza, essa, deixava-a entrar, não porque a queria em mim, mas para que se fosse por vontade própria. Agora foi-se o medo, não mais temo a dor, mas não porque cresci, apenas porque doeu, e só aí cresci, quando temi não conseguir expulsá-la de mim... Mas sempre vai, se nós voltarmos.


Tenho um sopro no coração, desde criança. Não devia ter mais de sete anos, talvez seis, quando me foi diagnosticado.
Lembro-me que foi por essa altura, aos seis, sete anos, que comecei a interrogar-me o que fazia aqui, num mundo onde as nuvens andam sem parar, e quando parecem parar apenas se juntam e choram sobre nós. E continuam a andar, para chegar a lugar nenhum...

Lembro-me de uma sensação típica daquele tempo. Aquela sensação de conforto por estar junto do meu pai e da minha mãe. Ele guiava o carro, e minha mãe ao lado, sempre sorridente, sempre com um brilho no olhar só para mim. Era feliz naquele mimo pueril de filha única, àquele tempo. E lembro-me de me encostar ao vidro quente do carro, como gostava de andar de carro, e olhar o céu, aí conheci pela primeira vez a vastidão. Aí, comecei a perder-me. Recordo-me duma angústia que desde aí se juntou a mim. Um pesar, uma intensidade, que derrotava os meus sete anos. Um sentir-me grande, grata, maravilhada com a vida, com o céu, com as nuvens, com todas as coisas, com o Universo e, no entanto, uma angústia tão vasta quanto ele. Um sentir no peito um aperto, saber-me pequena, minúscula, partícula... E debaixo daquele tecto felpudo, deitava-me no banco de trás do carro, e olhava o tudo e o nada, os vultos de outros, o meu reflexo no vidro, e via o quanto todos estávamos próximos, unidos, sob o mesmo céu, e o quanto raras vezes nos olhávamos. Foi aí, acho, com sete anos que comecei a achar-me estranha, inadaptada, ou pura e simplesmente narradora, contadora de histórias, comecei a ter palavras que se multiplicavam na minha cabeça, interrogações e deambulações que nunca mais me deixaram. E de cada vez que rodava na minha saia de pregas olhava sempre o céu. Para me lembrar que era uma pequena parte do todo, mas grande no meu todo e nas voltas que sobre a minha saia sempre haveria de dar.

Lembro-me de uma ida ao médico. A minha mãe, nervosa por dentro, mas na calma aparente que todas as mães sabem ter para proteger e acalmar suas crias. Lembro-me apenas de um gel frio no peito, uns exames, pois parece que aquelas dores no peito que sentia, aquelas palpitações, não eram apenas dores de crescimento. Mais tarde chegaram à conclusão do meu "mal inofensivo". Era apenas um sopro... Um sopro no coração, inconsequente. Congénito disse o médico. Por ele me penetrou a angústia, mas também os sonhos, e a paixão com que os sonhava, cega, crente. Um sopro, uma porta que a genética me ofereceu, um coração escancarado, sem medo de abrir a porta, às dores, aos amores, aos sonhos e aos que não crêem. E se hoje soubesse ter cura para o meu sopro no coração, não quereria, pois ele marcou-me o ritmo, fez-me sentir mais a música, cada som, cada ausência, dançar, até ficar ofegante, fez-me ser mais distante, no vazio que ele por vezes preenche em mim, no vácuo entre mim e os outros, deu-me ar, e por isso me ensinou a estar perto, a ser próxima, estar, sentir e correr atrás, no compasso das minhas palpitações. A não ter medo de rasgar o peito , pois já nasci com ele rasgado, e se por vezes dói, comprime meu peito, também acolhe sonhos, encena momentos, que não são ensaiados, que seguem aquele sopro, se misturam naquela brisa quente, fria, aquele sopro, mero trampolim de sensações.

Ainda hoje gosto de sentir o vidro quente do carro e acordar a mente naquela dormência que me invade o corpo, ainda hoje, sinto o mesmo quando a viagem termina. Quando criança era tarefa árdua, no caso do meu pai, tirar-me do carro, ficava pregada à minha janela para o mundo, ao ar quente do meu mundo de lata e vidro. E sempre que ando de carro, desde os sete anos, vivo todas as vidas que cabem nas rodas do carro e todas as que crio para além delas.
Mas hoje, no banco da frente sou eu quem segura o volante, e ainda imagino, vivo mil vidas, viro páginas de mim mesma a cada esquina. Sonho-me como me quero e levo-me para o destino. E reconheço aquela brisa quente, ela entrou por lá, veio com os sonhos... É aquele sopro de ar, de vida, de je ne sais quoi, que me exalta, e acalma. Até hoje o sonho é o mesmo, sempre o mesmo. E até hoje acredito, entro no carro e vou atrás. E saio do carro, bato a porta, e continuo, pelo meu pé, vou atrás...