No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Sopro no coração

Saudades de quem era há um sopro atrás, aquele sobre o qual suspendia meus sonhos e pendia meus medos. Saudades de como me dava à vida, na displicência própria de quem tem todo tempo para se dar ao riso, ao grito, ao choro e à dor. Até o sofrer tinha mais cor, mais melodrama, parecia tão mortal. E a tristeza, essa, deixava-a entrar, não porque a queria em mim, mas para que se fosse por vontade própria. Agora foi-se o medo, não mais temo a dor, mas não porque cresci, apenas porque doeu, e só aí cresci, quando temi não conseguir expulsá-la de mim... Mas sempre vai, se nós voltarmos.


Tenho um sopro no coração, desde criança. Não devia ter mais de sete anos, talvez seis, quando me foi diagnosticado.
Lembro-me que foi por essa altura, aos seis, sete anos, que comecei a interrogar-me o que fazia aqui, num mundo onde as nuvens andam sem parar, e quando parecem parar apenas se juntam e choram sobre nós. E continuam a andar, para chegar a lugar nenhum...

Lembro-me de uma sensação típica daquele tempo. Aquela sensação de conforto por estar junto do meu pai e da minha mãe. Ele guiava o carro, e minha mãe ao lado, sempre sorridente, sempre com um brilho no olhar só para mim. Era feliz naquele mimo pueril de filha única, àquele tempo. E lembro-me de me encostar ao vidro quente do carro, como gostava de andar de carro, e olhar o céu, aí conheci pela primeira vez a vastidão. Aí, comecei a perder-me. Recordo-me duma angústia que desde aí se juntou a mim. Um pesar, uma intensidade, que derrotava os meus sete anos. Um sentir-me grande, grata, maravilhada com a vida, com o céu, com as nuvens, com todas as coisas, com o Universo e, no entanto, uma angústia tão vasta quanto ele. Um sentir no peito um aperto, saber-me pequena, minúscula, partícula... E debaixo daquele tecto felpudo, deitava-me no banco de trás do carro, e olhava o tudo e o nada, os vultos de outros, o meu reflexo no vidro, e via o quanto todos estávamos próximos, unidos, sob o mesmo céu, e o quanto raras vezes nos olhávamos. Foi aí, acho, com sete anos que comecei a achar-me estranha, inadaptada, ou pura e simplesmente narradora, contadora de histórias, comecei a ter palavras que se multiplicavam na minha cabeça, interrogações e deambulações que nunca mais me deixaram. E de cada vez que rodava na minha saia de pregas olhava sempre o céu. Para me lembrar que era uma pequena parte do todo, mas grande no meu todo e nas voltas que sobre a minha saia sempre haveria de dar.

Lembro-me de uma ida ao médico. A minha mãe, nervosa por dentro, mas na calma aparente que todas as mães sabem ter para proteger e acalmar suas crias. Lembro-me apenas de um gel frio no peito, uns exames, pois parece que aquelas dores no peito que sentia, aquelas palpitações, não eram apenas dores de crescimento. Mais tarde chegaram à conclusão do meu "mal inofensivo". Era apenas um sopro... Um sopro no coração, inconsequente. Congénito disse o médico. Por ele me penetrou a angústia, mas também os sonhos, e a paixão com que os sonhava, cega, crente. Um sopro, uma porta que a genética me ofereceu, um coração escancarado, sem medo de abrir a porta, às dores, aos amores, aos sonhos e aos que não crêem. E se hoje soubesse ter cura para o meu sopro no coração, não quereria, pois ele marcou-me o ritmo, fez-me sentir mais a música, cada som, cada ausência, dançar, até ficar ofegante, fez-me ser mais distante, no vazio que ele por vezes preenche em mim, no vácuo entre mim e os outros, deu-me ar, e por isso me ensinou a estar perto, a ser próxima, estar, sentir e correr atrás, no compasso das minhas palpitações. A não ter medo de rasgar o peito , pois já nasci com ele rasgado, e se por vezes dói, comprime meu peito, também acolhe sonhos, encena momentos, que não são ensaiados, que seguem aquele sopro, se misturam naquela brisa quente, fria, aquele sopro, mero trampolim de sensações.

Ainda hoje gosto de sentir o vidro quente do carro e acordar a mente naquela dormência que me invade o corpo, ainda hoje, sinto o mesmo quando a viagem termina. Quando criança era tarefa árdua, no caso do meu pai, tirar-me do carro, ficava pregada à minha janela para o mundo, ao ar quente do meu mundo de lata e vidro. E sempre que ando de carro, desde os sete anos, vivo todas as vidas que cabem nas rodas do carro e todas as que crio para além delas.
Mas hoje, no banco da frente sou eu quem segura o volante, e ainda imagino, vivo mil vidas, viro páginas de mim mesma a cada esquina. Sonho-me como me quero e levo-me para o destino. E reconheço aquela brisa quente, ela entrou por lá, veio com os sonhos... É aquele sopro de ar, de vida, de je ne sais quoi, que me exalta, e acalma. Até hoje o sonho é o mesmo, sempre o mesmo. E até hoje acredito, entro no carro e vou atrás. E saio do carro, bato a porta, e continuo, pelo meu pé, vou atrás...

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