"Não é mais surpreendente ter-se nascido duas vezes do que apenas uma; tudo na Natureza é ressureição."
VOLTAIRE
Para quê viver se não para ser real? Para quê ser real se não se acreditar realmente nisso? Para quê deambular entre a morte e a vida se não para ser arte? Para quê ser arte se não amar o artista? Como ser artista se não amar arte?
O Amor é a única constante. Em todas as interrogações, surge como resposta, só ele cria, constrói, dissipa o medo... Veste-se de fé, compaixão, criação, e vive-se pela acção. Age, actua, não se limita a existir e, como tal, faz vivo quem o sente (torna este mundo real, é a vontade inconsciente que a ele nos prende).
Sei que não foste acaso, um caso dentro da desconstrução do tempo. Vieste para me mostrar que dói, não por quereres meu sofrer, ou acreditares na sofreguidão inútil das almas, mas porque me queres viva. Ressuscitas-me a alma, sacode-me-la por entre o corpo, quando me olhas assim, lancinantemente, de soslaio, como que ao acaso, mas um acaso que sempre nos atrai, que trai nossas mentes, o tempo sequenciado, os ponteiros do relógio, surge, e aí, me mergulho sem medo, sem querer sair enxuta.
Sei que te vi outrora, mas não sei onde... Meu gladiador de outros tempos, tens a guerra nos olhos de outras vidas, mas nesta não vieste guerreiro, mas vencedor, aprendeste que só o amor vence guerras que o medo trava, espero. Sei que também me sabes para além do eu que hoje sou. Mas será que a mente te entorpece os sentidos, te afoga para lá de onde teus olhos te mergulham?...
Sob o efeito do anti-inflamatório e de analgésicos tento sobrevir de uma gripe, uma garganta inflamada, quando na verdade sei o que me resfriou o espírito. Os espasmos que me atingem, sacodem-me as paredes da alma. Ela descolou-se dos meus ossos, da caixa forte que trago no peito, pôs-se a salvo. Foi por aí que o frio me penetrou, congelou-me os sentidos e permite-me viver assim benzinho, por quanto tempo o tempo assim me quiser.
Acordei doente, maleita pequena, reflexo de um frio que abrigo em mim. Talvez precisasse de uma desculpa (ingénua) para tomar analgésicos e assim acalmar minha dor. Ou apenas senti-la assim, dormente, pedante, disfarçada de doença, para que não lhe ache a cura. Ou talvez só precisasse desta sonolência torpe para embalar minha saudade, por entre delírios febris, te sonhar e te ter comigo. Nunca te deixo, ainda não quis o suficiente, confesso. Estás em mim pelo tanto e por quanto te permito. Não expio minha culpa. Mas perdoo-me...
E olho pela janela. E tudo para lá de mim vive... E o anónimo colectivo, por instantes resgata-me. No escopo entre a loucura e a verdade se criam ilusões reais. Pelo meio amamos... Entre a verdade e a loucura... Só o Amor expande a vida para fora de nós sem nunca a expulsar, só ele é real. A saudade apenas te sobetrai ao passado e resulta em mim.