No Rio de Janeiro... Rio, riem, prendem-me, soltam-me, prendo, vou, vais, fico, fujo, tocam-me, toco, és, Sou, Amo-me, amam-me, danço, Sou, grito, escutam-me, escuto, beijam-me, beijo, canto, Sou, caio, levanto--me, celebro, Sou, caminhamos, vamos, paramos, olhamos, sentimos, somos, estou, fico, és, estás, ficas, amamo-nos, Amo-me, amo-te, amas-me, fujo, vais, perdemo-nos, voltas, vens, achas-me, olho-te, olhas-me, és, beijo-te, beijas-me, beijamo-nos, amamo-nos, somos, Sou, amo-te, Amo-me, perco-me, perdes-me, foges, vou, volto, amo-te, Sou, sonho-me, sonho-te, Amo-me, amo-te, amas-me, prendes-me, soltas-me, danço, grito, canto, Sou...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

José e Pilar

Nunca me esqueço que me foste esperar,  mais uma coincidência. "Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam" (José Saramago).
Estávamos a caminho da praia e o sinal fechou, e contigo do meu lado, olho para o outro e estávamos parados lado a lado a uma imagem do José Saramago e da Pilar del Rio com eles abraçados e esta mesma frase, havia mais, mas esta foi a que chegou até mim, e confesso que só a notei agora, como se fosse um puzzle interminável que me deixa reconhecer pistas, peças que não se prendem no tempo, mas que se insurgem a ele... 
Eu tinha sido a primeira a falar no José e Pilar, no filme, mas inflamaram-me os olhos falar do homem e da mulher, deste curto circuito que os colocava numa corrente onde as ideias se envolvem de tesão e as vontades de poesia, e todas elas em acção. Raramente falo nisto, mas talvez tivesse que te dizer entrelinhas a minha vontade de um amor maior, além do mundo, para lá das ideias, mas convicto delas, com danças de palavras infinitas a enrolarem-se no cérebro das nossas bocas, com olhos nos dedos... Não sabia que tinhas uma imagem deles no teu facebook... Sem saber, começavam aqui as evidências...  A harmonia de movimentos, de sombras, as telepatias, que me fazem correr para dizer primeiro, porque rodeamos as mesmas palavras.  Enternece-me a simplicidade como simplesmente nos demos a isto, como nos deixámos sentir, como de repente nunca me senti tão fêmea e tão pouco senhora de mim, como descubro que havia tanto ainda por sentir em cada ângulo do meu corpo, que os tinha guardado só para ti, descobri que nunca perdi tempo se o tempo me trouxe aqui. E a sensação de que sempre nos esperámos, traduz-se nesta que me leva a escrever e reescrever, a perder o controle dos dedos, porque nem mesmo eu sei o que os meus dedos têm para escrever para ti, porque tu vieste para reinventar a  minha história. Vieste para me dar uma liberdade que só encontrava na fuga, no ir, e de repente está aqui, uma paz que não sossega, que me faz vibrar com todas as luzes que me circundam a alma, com todas as forças que dormem entre as minhas pernas. Tu acordaste em mim um ser felino que baixou as defesas e se pôs apenas no sentir, no presente, e sem querer, perdi  noção do tempo, como se o efémero não pudesse mais ser contido nele. Ele não mais existe como o conhecia, é como se ele fosse um papel amassado que embrulha um presente que não acaba. Só lhe sinto o cheiro na ausência do teu, essa sim passou a marcar o meu tempo, a cada respiração o tempo dilata, e sonho em te encontrar de volta numa cama com o nosso cheiro, de acordar e saber que posso voltar a dormir porque estás lá, de ouvir a tua voz na minha nuca, de sentir a tua boca na minha pele a aquietar-me ou a envolver-me num abraço que depressa me incita a amar, como se esse fosse o único verbo, escolhendo todos os outros para o servir, numa dança que nunca acaba, que me coreografa as pernas, os braços, os dedos, cada gesto à dimensão de um nós. Não conhecia este espaço onde existia assim, mas sinto que sempre me esperou ou o reconheço em ti. 
A Pilar veio conhecer o José a Lisboa porque leu o Memorial do Convento e se apaixonou pelo personagem Blimunda, depois leu tudo o que havia traduzido dele e ao ler  O Ano da Morte de Ricardo Reis, comoveu-se de tal forma que decidiu viajar até Lisboa para o conhecer, trazia com ela O Livro do Desassossego do Fernando Pessoa (um dos meus livros preferidos). Chegou e conheceu um homem alto, uma alma desassossegada, daquelas que se revolve e se consola no acto criativo. No final deste encontro, Pilar diz que "voltou para casa com uma estranha sensação de paz".
Quando li isto, lembrei-me que já fui Blimunda, já vivi, por momentos fui veículo desse amor maior, intuitivo, fora do seu tempo ou de todos os tempos, que a inspirou e despertou para a obra, que a levou ao homem. 
E depois vi do lado de lá da janela do carro um homem alto, de olhar aguçado, selvagem, mas ao mesmo tempo domado por uma alma desassossegada, que ali estava à minha espera, e eu não sabia, mas tinha chegado.
A mesa daquele restaurante encheu-se de conversas, foi aqui que falei do José e Pilar, e acho que só tu ouviste, e quando me tocaste debaixo da mesa, aquele roçagar de pele sequestrou-me como se me levasse para uma gruta do paraíso.
E os dias que se seguiram separaram-se do tempo, saíram dele, como se o ontem tivesse um mês. E tudo o que se seguiu, foi sem pontuação, como um romance do José, os dias fizeram-se maiores, passaram, e nós neles inteiros, de repente era hoje e só hoje vimos o quanto ganhámos do tempo. Falaste-me de amor, de projectos, de dor, de pintura, nunca mais me vou esquecer do pintor português Jorge Oliveira e do Kandinsky, e ouvir-te na quentura daquele sol deu-me medo, mas dos bons, deste menino homem com quem me apetece falar até ao fim dos tempos, e medo desta coisa louca que se embebe em curiosidade, admiração e que pode fazer todo este impulso maior e real.




sábado, 16 de junho de 2012






Todo

A voz arranha-me a garganta levemente como se fosse uma dor secreta, como se me mostrasse o arrastar de vícios, de pensamentos que me constroem fraca.
Hoje é um daqueles dias de nada... Sinto-me arrastada por um sopro, uma corrente de ar que me passa por dentro e me mantém viva, sinto-me menos, e cresce-me a posse de mim, como se só eu pudesse ser dona do fracasso, como se só eu não tenha mais por onde ser mais. Cansada desse movimento interno onde cabem todos os tempos que não vivo, todos os amores, todos os sonhos, todas as fés, em que já não creio. Não, creio sim, tenho que, quero. Quero ouvir esta música que me lembra o meu refrão, o meu mantra e ser  quem sou, com fé, com fé nesse eu. Quero o meu mais de volta.
Estas palavras, vêm duma proximidade por mim menos escrita, trazem lágrimas presas, agarradas, coladas, como se arrancassem confissões que nem a mim mesma pronuncio. Uma forma de escrever menos pensada, vinda duma latitude diferente, dum ângulo oblíquo de mim, de uma vulnerabilidade menos registada.
No outro dia sonhei que era feliz, não que seja infeliz, porque quem vive a caminho não baixa os braços, não cruza as pernas. Mas sonhei com uma coisa imensa, com um sentir que unia tudo a mim, e me tornava em tudo, como se eu fosse parte e a  parte tudo, e o meu todo ali, num momento, num olhar, num lugar, num alguém, em mim, num presente. Imediatamente senti uma paz, um felicidade que falava manso, que abraçava muito, e que me fazia  sentir amparos de todas as vidas, mas tão presentes, como se o agora e o todo fossem sinónimos, como se amar fosse a minha única acção e ser grata o meu movimento interno, secreto. Quis ficar ali, quis dormir outra vez, mas os sonhos não se repetem, reinventam-se... Percebi isso, quando o queria comandar, ao sonho, ele não obedecia da mesma forma, a surpresa tem impregnada a sensação de fantástico, da maravilha, que rememora em nós a criança, a certeza, o sim. Não posso querer comandar o todo, porque ele anda, está aí, tenho que o notar, que o saber em mim. Ele vem de repente, no momento menos propício, nas banalidades sublimes. Só posso agradecer, porque ele não vem, é, eu é que de momento não o sei, ou sei menos. Ou talvez me tenha esquecido de agradecer, para ele se reconhecer em mim.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Saudades do mundo onde me soube eu... Do lugar onde o eu  é, acontece, ri, chora, ama, dói, vive! Saudades de mim nesse lugar que me incita a amar, desse cheiro a mar, misturado com os temperos da manhã, que refogam o primeiro mergulho. Saudades das cores misturadas, atabalhoadas, no meio de risos, e aromas de frutas que se anunciam sábias e cheias de sol, das cores que não obedecem a nada, se não à sede de garra. Da pele dourada do sol, que se entrevê em cada vestido, em cada cair de pano, e que confessa o calor de corpos amantes, que cedem à latitude pecados honestos.
Saudades desse simples, que entra pela janela ao amanhecer, do cheiro a pastel, a café, de pão na chapa, de um queijo quente, dos amigos, de um boteco, de queijo coalho na praia, de água de côco, de correr no calçadão,  na lagoa, de ver o pôr do sol no Arpoador, de amar no Verão, de comer picolé de chocolate, de côco, pão de queijo, de reconhecer amigos, descobrir paixões, saudades de não saber com fé, do inesperado, da surpresa a cada dia, em cada esquina, saudades do ar quente, mais leve, de beber suco de goiaba, de melancia, de melão, de saber de cor as tuas ruas, de me encontrar a cada dia, mas saber-me em casa.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Hoje

Hoje acordei com esta dor no peito, que eu quero que nada seja, mas a minha intuição sabe serem distâncias que eu não quero criar. Hoje tudo parece estar longe ou eu com menos forças para me pôr a caminho, para continuar.
Hoje acordei menos criativa, menos capaz de amar e apenas me resigno a estar assim com esta dor que nada é mas que me dá mau estar, um rodopio no estômago, um arrepio dos maus, que me faz chorar com qualquer acorde como se a música desse início a um grito que hoje mando para dentro. Hoje sinto-me mais lá nesse outro mundo onde existo, num qualquer planeta que não sinto com os dedos mas sei-me lá. Hoje aqui não se está bem, sinto-me rodeada pela ausência, pela falta que as coisas me fazem, pelas saudades, pelas distâncias, pelos sonhos que hoje carrego nas costas. Sou menos eu, aqui assim vulnerável à dúvida . E eu sei que os milagres nascem do entusiasmo, de uma realidade que tem que de facto ser real em mim. Mas hoje não consigo parir o mais comum dos milagres, nada nasce de mim. Hoje o ponto de partida é para mim apenas despedida...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

GPS

Envolta em pensamentos que me traem, como se me cosessem os músculos, me tornassem mole, mate, prenderam-me o cérebro à alma, fizeram-me uma estrada sem sentido maior onde os meus neurónios navegam com GPS.
Entediada pelo movimento sempre tão igual das coisas, subimos e caímos, e voltamos a subir, e voltamos ao chão, e temos uma vez mais o pé no primeiro degrau, uma escada em que não sabemos o norte e o sul, onde a verticalidade se expande para algo maior e mais difícil, onde a visão ganha periferias e apenas se sente no passo o princípio do fim.
Tenho que voltar à convicção, a quem sou e quero ser, tenho que deixar de pensar na queda, que tenho tanto pela frente, que só me cresce na falta, e pensar que tenho tudo e o todo à minha frente, pensar que tenho a oportunidade de voltar a fazer este caminho onde sempre me encontro, que já lhe conheço os passos, posso dar-lhe dar novo ritmo, posso permitir-me arriscar (mais) e tenho que deixar de pensar nas contusões de alma, nessas coisas que fizeram forte, mas duma força que apenas me guarda do que me completa. Sinto a frustração de quem não mais crê com a mesma força, de quem precisa ver o final da história para saber se vale a pena continuar. Saudades de mim, daquela que sei ser...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Meio

Nem sei bem por onde começar, até porque sinto não ser o começo de nada, mas o meio, a parte enrolada, o nó, o que não passa, o que nada é, mas ocupa-me de tal forma que decidi ser da forma mais fiel e certa comigo, pois nada melhor do que escrever o que não consigo que tenha som, as palavras que me sufocam porque não as consigo fazer sair. Por orgulho, ego, nem eu mesma sei, pois faço, tento, não pensar muito se são causa ou consequência para ver se elas vão e me deixam de uma vez. Detesto esta sensação de corrupção de mim mesma, como se ao calar-me me boicotasse no intento de ser eu, de me viver. Não tenho medo da morte, mas tenho medo de não viver. Essa presença da morte em mim assusta-me e nada mais a traz do que calar, parar, esquecer em mim o que me faz mais viva, o que flui, sejam pensamentos, ideias, ou emoções, sensações.
Dirijo-me a ti, mas acho que na verdade, escrevo por e para mim. Isto vem no contorno do devaneio, como se lhe desse seguimento ou oferecesse confissão. Um dia escrevi que quando sorris me esticas a alma, que quando estás, sou maior. E acho estou aí, ou ponho-me exactamente como sujeito e predicado nessas frases. Essas acções dão-se em mim e comigo. É tão simples ou parece ser assim escrito nesta tela branca, os caracteres que as formam, parece que de repente me devolvem paz, ou verdade, a minha, apenas a minha, aquela que para mim faz sentido, que é por mim sentida, que aqui se torna real. Esta materialização, esta sensação de existência de algo que me revolve, faz-me fazer as pazes comigo, faz-me sair de um mundo de sombras chinesas. Nunca entendi a forma rebuscada como nos "educaram" os sentimentos como se de repente fosse uma afronta a ordem das coisas, assumir tesões, amores, vontades. Não entendo o medo de magoar o outro quando esse mesmo medo infere muitas vezes o maior dos golpes. Eu sei que é difícil dizer não, principalmente quando temos medo, tememos a solidão, e sei que é difícil magoar o outro mas pior que isso é deixá-lo num banho maria, como se soubéssemos sempre ter ali recipiente mergulhável e a temperatura amena. As águas mornas a que nos condenaram, são insípidas memórias do que carregamos na nossa essência, em cada gota de suor dos nossos corpos. Por tudo isso sempre me irritou, o assim assim, o vai-se andando (nota mental: quem é que vai andando?), o meio gesto, a meia palavra, o meio gás, o que parece, quer ser, mas não se assume , não vem à tona, à voz, à luz.
Reconheço-te em cada verso dos poetas, sinto que quando estás qualquer coisa me agarra a um tempo que existe como se mais que maior me tornasse real, como se sentisse cada espasmo cada milímetro de matéria, como se de repente me abandonasse qualquer desejo de fuga. Quando acordo vejo que ainda não foste, que nunca mais partes, não mais me deixas,e vives deitado sobre os meus ais, os bons, os maus, és a ânsia e o sossego, trazes-me o conforto de me saber amante, trazes-me a ânsia da saudade como se cada pensamento ou imagem tua pudessem ser os últimos e carregam, ânsia desse desejo e da morte do mesmo. Vivo na inconstância que contigo ganha forma e se foca em mim, como se contigo conseguisse deixar de me distrair nos outros que querem ser Eu, como se de repente encontrasse uma qualquer visão que eu própria não sabia ainda que ia sonhar, como se fizesses da minha intuição uma força bruta que arrepia, que humedece quando me tocas, tal como me franze o olhar para te ver mais perto e me molham os olhos duma alegria torpe que se confundo com o medo de ser feliz, de parar, de deixar de lutar, de ter desassossego e conflitos que me façam criar, querer ser, querer mais, não ser nada, e medo de mesmo aí, querer ser tua.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Preto e Branco

Mistura insolúvel, que bóia em mim... Coisas aos pedaços que se atropelam e ficam, querem ficar, querem ser assim, baças, querem ser assim misturas, e misturadas. Não me querem só, oferecem-me bipolaridades, sensações, cheiros, tesões de vida tripartidos.
Ontem falava-se da vida, rebolavam palavras várias em línguas soltas, sobre ser a preto e branco, e fez-se ouvir o coro do não, dos cinzas, dos néons, das nuances, das matizes, e um dos meus amigos ripostava que os cinzentos somos nós que os criamos, são meras construções, invenções cromaticonervosas (nota mental: adoro estas palavras que juntas, e formando uma nova a meu bel-prazer, me trazem sensações simultâneas, sinestesias.) ... Talvez, mas acho que precisamos tanto deles, como do breu do preto e como da luz do branco, o assim assim , o um pouco menos, do que tantas vezes nos queixamos, faz-nos aguentar, ajustar, acomodar e rebelar, agitar, ir para, levantar, transformar. Eu gosto destes cinzentos que são misturas exactas e únicas, pois ninguém os tem iguais. Eu gosto desta matiz que nada quer, mas que te faz querer, que faz chegar até ti o mais difícil, a espera, sim porque ela também chega, ou chegamos nós lá, a esse banco invisível acabado de pintar, onde nos sentamos para nos sujar, ou onde ficamos em pé até não mais aguentarmos as pernas... De qualquer forma, esse banco no meu jardim já foi tão odiado, no tempo em que achava que só andava com as pernas, no tempo em que achava que parada não ia a lado nenhum, num tempo em que nada, ninguém me parava... Até que parei.

1/2 Minuto

Entrei no carro e parecia que o movimento mecânico que me prendia aos pedais, a parte de mim que obedecia aos sinais, eram menos meus ainda, o carro não acompanhava nem perseguia a distância que eu criei... E assim, no meio de um pequeno nada, a cidade apagou-se.

Era outra cidade, só se mantiveram as luzes de subsistência, para lembrar uma antiga vida, uns semáforos a tentar manter a normalidade, o passado, reminiscências de luz, mas tudo mais desertou. Parecia vazia, as pessoas no escuro, calaram-se, e como se esta ilusão que vem pelos olhos me desse mais ouvidos... Escutei o silêncio, e senti-me ali, assumidamente perdida, tudo a que fugira durante o dia veio naqueles trinta segundos de quase escuridão, de pseudosolidão...

E voltou a luz, a cidade voltou a ter movimento, e foi como se aqueles trinta segundos fossem uma pausa no tempo, nunca tivessem sido vividos, fossem lapso, tempo perdido e rendido à ausência de acção visível. Um fosso no tempo, ou a salvo dele, onde nada existiu, ou se esqueceu, o chamado contratempo, que não podia revelar melhor nome, pois de facto foi algo que saiu ou foi para além dele, das voltas agoniantes do relógio.
Caminhamos para a luz, sem ver que às vezes nos falta este quarto escuro onde nos abrigamos da normalidade, da rotina, de sermos ideais, de sermos nós. Onde podemos pousar o que somos e esquecer por instantes, e apenas sentir o nada , a ausência de sonhos ali, a noite, sem ter que esperar nada, apenas entregues a um tempo que se esconde do tempo, que não precisa brilhar, existir.
Por vezes levo-me à loucura, ainda bem que me dei a viver várias vidas e outras que não eu , porque as multipolaridades que me divertem às vezes, levam-me à exaustão tantas outras; como é que de serena passo a não estar aqui, como é que a luz se apaga?... Em trinta segundos... E volta acender, como uma ideia, uma nova brecha que me entrega a qualquer coisa, que sai de mim, e brilha, e apaga, e volta a brilhar. Assusta-me o quão passional são as minhas entregas, mas como as abandono, deixo partir, em segundos apenas, apaixonadamente, como se me entregasse ao deserto, ao nada, ao contrário, ao avesso, da mesma forma. Como se fizesse tudo errado e não acreditasse que fiques aí, quando sou menos luz, quando se apaga e eu me encaixo, pequenina, como uma bola que rebola para um canto, um encontro entre dois muros, que me guardam na escuridão, onde o silêncio se escuta sem eco, e se instala, paredes de cor, que não se vê, apenas se sente o calor e a vibração da cor gravados na pedra, e se sabe que está ali, acredito, está lá, e vou ver quando a luz voltar, mas eu sei que está, mesmo no escuro, apenas palmando, sinto e volta... Vai... E apaga-se, em trinta segundos, meio minuto... Meio minuto onde se compreende uma vida, ou a perco. Um minuto onde cabem luz e trevas, e eu, a um canto, enrolada como um novelo que não quer ser fio de nada... Apenas estar ali, enrolada, no escuro, na sombra, a poder não ser, a descansar... Voltou a luz.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

House of the Rising Sun

8 de Abril de 2011

De repente, completamente de repente... Surgiste como um sol, como se me trouxesses o calor que me agarra a esta terra e que me mata saudades de outras latitudes de alma. O curioso é estares há tanto tempo no meu imaginário, nos meus olhos, e de repente, simplesmente assim, tornas-te real... Como se eu abrisse as janelas de uma casa fechada, e por todos os lados entrasse luz, uma luz que me semicerra os olhos, que me afaga a cara, que me adormece a mente, que me faz esquecer de tudo e que me faz ver que um novo dia nasceu, e entregue aquele momento, aquela quentura nova, fico nesta curiosidade de corpo quente que engole passados e se dá apenas...

Acho que o que mais gosto, é que quando estamos, somos reais, e o quanto me fazes querer estar exactamente aqui onde estou. Deste-me o presente que é estar e simplesmente estar. Ao pé de ti perco o meu já fraco sentido de tempo, quero-te em todas as conversas, gosto das ressonâncias da tua voz, e gosto das tuas palavras, adoro a forma como as arrastas e como com a noite a tua voz rouca fica ainda mais grave como se agravasse uma vontade que nunca me deixa perto de ti... Adoro quando as tuas mãos que não temem ser de homem, me agarram e me dão literal e subjectivamente a volta, fico de cintura apertada, como se naquele momento me apertasses todas as ânsias, as segurasses ali, e me fizesses sentir segura, e livre, ali, nas tuas mãos... Adoro o teu mau feitio confesso, que me diverte, adoro como sem notares és o mais atencioso, adoro como me olhas, mesmo quando finges ser normal, por acaso, e adoro estar colada a ti à espera do sono, ao som da tua voz. E isto tudo foi tão de repente que até temo pôr em palavras, mas que se dane... Estou feliz, e sinto-me orgulhosamente pateta e ridícula e constantemente com saudades, como se esperasse sempre para as matar e quando mortas fizessem as próximas maiores...

Estás a tornar-te memorável, mas de uma forma que não fica só aí, já te passeias por muitos mais lados de mim... E deixei solto, quero, até porque ao pé de ti me sinto incrivelmente livre... E gosto de tudo como é, não quero mudar nada, não te vejo num potencial, vejo-te hoje como o homem que eu quero, és tudo o que me desejava... E desejo. E não quero saber o que isto vai ser, porque já é.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Contrabandista

Vivo no presente, tento, tento sorver o que quer que seja que acredito e sinto existir, mas às vezes prende-se-me no tédio uma sensação que descubro inventada, uma intuição contrabandeada por mim, apenas para me entregar a um tempo que acontece.

Caminhamos sempre para algum lado, ou temos que nos dar essa sensação de avanço, pelo terror de estar parados, parada... De não existir para alguém. Poucas vezes me basto, mas gosto tanto dessa sensação de ser mais minha, de me fundir no vento, de me atirar sem precisar do seu balanço... E cair sem precisar que o chão me aqueça velhas feridas.

As expectativas que crio, matam-me as intuições, as sensações leves, gosto tanto delas, as que são ainda mais efémeras que o agora, as que só nele habitam e em mim, e que me deixam na generosidade de quem me dá a muitas mais. Quero ter a leveza de me entregar sempre a esses nadas, quero deixar de pensar e querer tanto tudo a todo o tempo. Quero deixar de me pôr no tempo, de me dar tempos, quero esquecer-me do que me esquece... Quero esquecer-me desse atalho que me abrandou o passo e a pulsação...

Quero intuir sem trapaça, e ser levada por esse impulso maior que nada quer, mas que sente, que me tem e quer ali, parada, a caminho...

Não quero contrabandear intuições para servir os meus caprichos, os meus quereres de quem quer sempre estar, sentir e caminhar para um qualquer lugar maior de si... Quero voltar aos meus pequenos nadas e esquecer-me desse grande plano que tracei para mim... E só mudar o rumo, quando sentir uma intuição (pura) que me leve daqui.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Carta a Cris(tiana)

Recebi uma carta tua!... Adoro receber cartas. A sensação de que alguém se quis dar de tal forma e sem hesitações, que se oferece em palavras, que as pensou, e/ou as sentiu e no-las devolve de forma perene. As cartas que nos escolhem quase sempre nos revelam uma disponibilidade do outro perante nós... Nunca deixo de sentir quando me agradecem vivências, momentos, experimentos, que sou eu quem na verdade agradeço, ter a meu lado, ser que se permite vivê-las, que se dá de tal forma, ou se sente numa dimensão onde dar e receber são uma única matéria, impalpável às mãos mais atentas. E aí nascem bolhas de tempo, estufas de nós mesmos, onde adoçamos e onde depuram os nossos mais subtis sabores... Bolhas envoltas em energias partilhadas, onde, como dizes tão bem, há o conforto de poder amar e errar.
Engraçado, ou não... Mas antes de acabar de ler a tua (nossa) carta e de ler essas palavras que aqui sinto, precisamente neste parágrafo, disse-te como sinto ser o Amor o maior acto, forma, matéria, capaz de nos sublimar, pois que quando o vivemos, vivemos o mais próximo, ou em constante caminho do aperfeiçoamento do nosso ser (deixamos de ter pernas para nos fugir, porque nos inundamos em compreensão, e ficamos capazes de transformar o mundo, porque nos fundimos nele). Desse Eu que se afunda em corpo, que troca de mãos, que despreza lágrimas, que se envolve em medos, que se priva em pensamentos, mas que se salva aí... Quando erra e alguém o ama... Falava-te do que hoje li em ti, do que não ansiava por palavras, nem as temia, pois tenho, em ti, infindável compreensão.
Quero um amor (de levar para casa) assim, elástico como a nossa amizade, desses dos nossos, em que escreves cartas que são para mim, mas que te levam mensagens, onde nos lemos e que quando nos apartamos das palavras, ganham forma a cada dia, e não sei bem se os momentos precedem as palavras ou se o contrário. Talvez seja eu teu invento e mais não tenha vida se não de ti, talvez tenhas sido tu a criar as histórias que me saem dos dedos, que se sacodem dos meus dias... Onde ando sempre com um trolley invisível, mas que tu vês, só tu, e para quem o abro, uma mala assim com a textura da minha clutch dourada e com o cheiro de vários céus, como se em cada lugar, para onde partimos, daquele aeroporto da tua carta, nos soubesse a algo novo, como se até uma simples língua de fora pudesse tocar o céu e saber-lhe o gosto... E tu com a tua trolley preta com glitters e pega prateada, exactamente como a queres nesse nosso canto da tua imaginação... Elas levam tanto, mas o que mais gosto é que não nos pesam, rolamo-las lado a lado, e sabemos que tudo o que elas levam pode ser por nós (re)criado, por isso afeiçoámo-nos a elas, não pelo o que nos fazem ter, mas porque nos lembram o que podemos criar... E porque têm rodas, as minhas douradas, as tuas prata, que as fazem capazes de seguir, de rolar estradas de terra batida, onde deixam o trilho que logo a terra esquece, mas que nos leva aqui, ali, a um algures onde o céu nos sente o gosto.
Ando a rodear, porque não gosto de cobardias de alma, e só as assumo para ti, minha alma cúmplice, e não gosto de me emprestar a medos. Se os tenho, digo-os alto, tento, grito, ou substituo-os por amores maiores.
Também quero um amor desses que escreves, esse por quem discorremos sem medo da forma ou borrões de tinta. Esse amor que não nos julga, porque compreende, nos intui, para quem as cartas são transcrições telepáticas pensadas com a alma. Esse amor que nos faz perseguir o maior em nós, mas que nos abraça quando estamos pequeninos, que se faz ombro a cada tropeção no caminho. Esse amor que me acha perfeita, mesmo quando acordo submersa em insatisfação. Esse amor que cheira a sais de frutos quando acordo com náusea (da vida). Esse amor que me acolhe, que me faz em qualquer esquina molhada e mal iluminada, sentir em casa. Esse amor que é maior que o mundo, pois nele está o meu. Esse amor que é mais que um homem, uma mulher, que se faz e acontece em amigos, em cada um de nós, que se permite fluir nessa vibração, que navega na ressonância mais subtil da nossa alma, na melodia inaudível do chakra do coração. Esse amor que se reconhece em olhares e que se dá a mãos, que me quer aqui, ali, a caminho, sem me cobrar a meta... E que me deixa mudar o caminho, voltar atrás, começar tudo outra vez, voltar ao fim, SER enfim. Esse amor que é, está, que me quer, recolhe, expande, que me faz ser doce, paciente, porque esquece o tempo... Esse amor que cria em mim histórias que nunca canso de contar, porque são testemunhos de que me vivo aí, sintonizada numa corrente invisível que tudo liga e que me solta de tudo a que realmente não ligo... Histórias que me dão e devolvem palavras, como se aumentassem o banco de dados da minha imaginação, como se fosse uma língua inventada onde cada palavra cresce em significados e em sujeitos, onde cada um faz seu verbo, onde não me detenho na semântica, uma língua sem lugar para erros... A linguagem do coração. E cada um vem cheio de palavras novas, frases feitas por desfazer... Alguns nem usam pontuação, outros ligam-se por reticências para não se perderem para pontos finais... Ou à espera de serem completados. Temos ainda o coração descritivo, que tudo enuncia, e enumera na precedência do imperativo e de dois pontos. E a mesma palavra nunca é a mesma, quando digitada, pronunciada, cozinhada nesta língua sem pátria, e onde todos somos Deus. Esta língua só se aprende de uma forma... Na escuta. E não se faz no grito, embora se liberte nele algumas vezes. E revela-se na minha palavra, que colo à tua, ou na tua que agora sinto minha, naquele significado que achava ser apenas em mim e que também descubro teu. E assim escrevem-se histórias (pelo menos as minhas)...
Esse amor onde me escreves para te saber, te sentir, para que te oiça, pois não temes o meu ouvido... Sabes ter nele poiso para o pior e melhor de ti... Sabes poder amar e errar, errar a amar, amar o erro.
É tão bom encontrar tamanha doçura, compreensão, mesmo quando não dizemos nada, principalmente quando não nos precisamos pôr em palavras.
Não acredito nessa tua suposta secura, pois nunca a conheci, e tu para mim és e tens a inteligência cortante de quem se traz, teimosamente, pelo tempo e um coração pensante de quem desfaz tudo num segundo...
E pelo meio vivemos entregues a delírios que nos fazem reais. E o melhor é que podemos errar, e nesta nossa casa não há portas, nunca vamos embora ou precisamos voltar... Mas podemos sempre ir para casa.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Querer

Não é medo, é uma ânsia que se teme esperar, é uma sensação de querer não saber, mas na verdade quero, como se procurasse fragilmente um conforto que pode não me confortar... Essa coisa de saber, poucas vezes me fez feliz, mas a consciência sempre me aproximou do que quero. Talvez a felicidade seja mero incidente e em nada se prenda com o querer no seu sentido mais profundo, num sentido que raras vezes queremos, num querer que se subsome à consciência, que se faz passar por sonho, visão, que alucina, ou que talvez apenas alumie um lado obscuro, mas que permanece em mim. Quero tanto e tantas coisas, que sei que o meu querer, esse desejo incessante, me desfoca, como se me tentasse dentro dos vários quereres, para que os confunda e os perca, de tal forma, que um dia cessem em mim, como se me atormentasse, deixar de os ter, essas coisas que me possibilitam o salto, mas que tantas vezes me lembram que não saí do lugar...
Tudo isto se perde na tua presença, como se de repente descobrisse uma porta mágica onde me sinto luz... E neste meu pensar de quem o usa, irrita-me ter em ti uma ponte para esse ser maior de mim... Mas a verdade é que quando sorris sei que sou melhor... E apenas quero estar, existir ali. É como se o meu querer ganhasse foco, como se o filtrasses deixando aquilo que anseia por mim... Quero essa coisa, mas tenho medo desta outra, desta plataforma instável onde estou desarmada, onde não quero estar, mas que me quer, onde me sinto viva, porque capaz de morrer, onde estou pronta para morrer, e é nesse risco de me aniquilar e de morrer por dentro que me sei mais viva e amante... E que sei que posso realmente Amar... (E tornar-me real).
É uma espécie de arrepio, porta encantada até a um querer maior que não se anseia, permanece...
Adoro quando me desconcentras e eu finjo não notar, e finjo manter tudo no sítio quando na verdade me desarrumas por dentro (adoro)... E vira-me o sentido do mundo e de mim essa coisa que nos envolve, como que uma bolha que de repente nos deixa estar aqui a outro tempo, como se o mundo desacelerasse, e como se tudo fosse maior e mais forte, cada sensação, cada momento, a consciência que se mistura com actos inconscientes confessos...
E uma presença a que nunca fujo, como se quisesse para sempre ficar em mim.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Sonhei contigo

Resisti a acordar, porque sonhei contigo, porque antes de chegar a isto que chamam de vida consciente quis saber o que outras partes de mim me quiseram dizer... Lembro-me de coisas soltas, de mim, de ti, de coisas que neste mundo podem não fazer sentido, mas que a mim me aqueceram como se me enchessem um qualquer buraco de desejo inconfesso ou de vontade de ti. Não sei se já te disse, mas quero-te com todas as vontades que se atribuem às mulheres e aos homens, e achava que tudo isto estava esquecido no meu inconsciente, mas hoje ele lembrou-me que os sonhos também nos vivem, e mexem...
Às vezes acordo com a nítida sensação de ter tido um sonho mensagem, um telegrama da alma, ou dum outro lugar onde sou mais serena, onde sei tão mais, mas que vem assim mesmo, como um telegrama, frases e imagens soltas, onde as palavras se atropelam e nem sempre se sentem conscientes, e vem perdidas à espera que eu as viva, e não de um sentido.
Hoje sonhei contigo, já te disse, dizias-me uma coisa, mas os teus olhos, as tuas mãos, diziam e faziam outra. E eu acordei com vontade de lembrar o que foi sem ser, e sinto-me dividida entre a adolescente que resgatas em mim, e esta outra que acha que se protege por não fazer nada, por respeitar o devir, essa coisa que dizem que é o que tem que ser... Mas, esta coisa que tenho que me faz querer sempre atirar para as coisas, atira-me mesmo para as coisas e não sei... Tenho-me deparado com águas pouco fundas, mas ainda assim parece que insisto em ser profissional de mergulho.
Quando acordo acho tudo tão insensato, o tempo que tiro de mim para me focar nesta coisa que nada é, ou que eu quero que seja coisa pouca, mas a verdade é que me alimentas o vício, um movimento centrífugo que se renova e que me amorna de novo o sangue, que me devolve palpitações, a sonhos molhados, a um qualquer alinhamento de matéria e resgates de alma, onde tudo é mesmo, e quente, vaporoso como se fosse moldado e moldável por um inconsciente mais sábio e capaz, que sonhou coisas por nós, e nós só temos que ter fé e agradecer. Entregas-me a um encantamento que andava desencantado. A lugares meus que andavam dispersos, e gosto de ser alma elástica entrar e sair sem medos e voltar, porque quando não vou, ando perdida, mas perdida com rumo, como se caminhasse agarrada a uma corda que me prende a tudo, menos aqui. E tenho vontade de chorar, já te disse que choro e rio em quantidades desmesuradas, daquelas que não se medem em unidades de tempo, já te disse que sou exagerada e de tempos em tempos me deixo ser lúcida, já te disse que quando te olho nada se define e tudo apenas é, que quando te ris, sinto que me esticas a alma, que quando estás, nunca consigo fingir que tudo está igual, que quando me falas não são palavras que te respondem, que quando me tocas, tocas mesmo... E hoje sonhei contigo...

sábado, 23 de outubro de 2010

Vida Consumada

Não sei a quem me dirijo, ou dirijo-me aquela que às vezes não sei ser, àquela que de facto sou.
Por vezes, quando me sinto triste, dizê-lo alto, torna-o ainda mais triste, como se fosse a única coisa que partilhada tomasse mais dor, ficasse pior, ou pura e simplesmente, como tudo o que é partilhado, se tornasse maior. Mas este maior não sai de mim para encher o outro, não se divide, apenas despedaça mais, como se ao pronunciá-lo, o que apenas eu sentia, se tornasse verdadeiramente real, meu, ou em mim. Não mais é indigestão mental ou tédio, ou um prazer inventado, de alma subitamente desapaixonada. Outra das coisas que me desapaixona, ou me sente triste, é essa coisa de não pôr nada na alma. Essa coisa de alma ociosa que não come nem se dá a comer, que não ama, não pode, não sofre, e nem pelo menos se finge, faz inventiva, capaz de criar uma qualquer pirueta, um amor, vagabundo que seja, uma qualquer transfusão de vida, de coisas sem nome, mas com cheiro, de dentes que trincam, mas não comem e escutas que não se pedem, perscrutam, por entre músculos e dentes e lábios que se abrem apenas para silabar o que só quem não espera entende.
Mas voltemos à tristeza, que mais não é do que intervalo, uma aia, experiente e experimentada, sempre lá, aqui, e é tão minha, mas não sou eu. Sei tê-la sem transformá-la em mim, e por muito que muitas vezes a esqueça, várias me lembra que não se faz estranha.
Quando a digo cresce, ou melhor nasce, e só quando assim é, quando a sei, entre nós, me permito vivê-la, e deixá-la. Se assim não for, é ela que nunca me deixa, que silenciosamente me arranha por dentro e me entrega às coisas que tal como ela não se vivem ou assumem vivas. Até a tristeza precisa ser consumida para se consumar vida.

sábado, 18 de setembro de 2010

Flui

Decidi não te escrever, como se escrever-te me fizesse partilhar-te, quando me sinto como uma menina mimada que ficou com a massa de bolo para raspar e não quer dividir com ninguém. Confesso também que ser que vive tantas vezes para contar, desta vez decidi ser apenas e abandonar o lugar de vigília, de contadora de histórias. Mas o tempo vem e vai e dá voltas em mim, à minha volta e sinto que esta coisa sem nome tem que sair de mim, como se de repente eu já não precise que sejas meu, ou não me importe com agoiros, pois tudo o que é, é. E não há palavras que toldem a história de outra forma, pois ela respira para lá destas linhas, e se é maior, flui.
Em busca da fluidez, assim me sinto. Acho que chegamos a um ponto do nossa complexidade esquizofrénica em que a fluidez de movimentos de corpo e de alma pende de tal forma nas nossas vontades, ou rasgos de fé, que se faz caixa forte dos nossos desejos, anseios. Descubro-me ansiosa só de sentir que tudo pode obedecer a essa corrente que segue e mesmo quando se aquieta, é viva. Essa coisa de imitarmos a natureza, de fazermos das emoções, rio, mar, oceano seja a escala a que nos aprouver, agrada-me. Dá-me uma sensação de estar menos só, de ser parte deste mundo. Quando tudo flui, continuo a ter dúvidas, mas de repente parece que não me incomoda tanto a espera, só isso, simples assim. No fundo sei-me da complicação simples que se quer dela e de todos. Sou ser simples, avessa a complicações mundanas, o que me complica são as questões que me detém e me contém e não a logística ou coreografia da minha dança para quem não me tem. Às vezes gostava de ser ser mais quieta por dentro, porque cansa... Cansa...
E no meio de tudo isto que não sei se sou, vi-te pela primeira vez... E foi tudo como se fosse a primeira, mas uma primeira que me trazia memórias que não tenho, que me trouxe sensações que o tempo deste mundo não cronometra, fracções de um tempo ainda não inventado.
Quando te olhei, tudo me desprendeu dali, mas duma forma estranha, como se de repente me esquecesse de tudo o que os sentidos vêem, e só me sobrasse o que não é "pensável", restaram-me uma visão deturpada encadeada por uma luz qualquer que saía de tudo e uma qualquer coisa que se assemelhava a um não sei, ou a uma cola tudo, que me fazia querer ficar ali, sendo o ali qualquer lugar onde te tivesse... Um não descolar daquela voz que de repente me mudava o ouvido, me ensinava nova escuta, um olhar que me fazia sentir eu, e uma energia que me devolvia a casa... Acho que no tempo dos homens, posso dizer que me apaixonei ao terceiro minuto, e a cada minuto confirmava o que não podia deixar de ser. A forma como tudo parecia natural, fluir, uma familiaridade que de inexistente, apareceu desde o primeiro instante como achado, uma empatia que ia para lá de qualquer empatia, recordando-me todas as coisas pirosas que se dizem sobre estes momentos, todas as comédias românticas, todos os folhetins de cordel... Falámos horas, e o tempo atravessou-me sem que o notasse, pois só te sentia ali.
Tudo em ti me parecia diferente, como se fosses ser único, sem paralelos, tudo em ti me remete ao espelho, me acolhe . Tudo em nós não obedece a nada, e não se dá a regras, à ordem das coisas.
Tudo sem ti me traz saudades, como se não mais soubesse não ter-te perto, ou como se secretamente gostasse de te ter longe para me saber fraca. Ou pura e simplesmente como se sempre te esperasse.
Tudo volta quando me olhas como só tu sabes, daquela forma, como se só me visses a mim, como se sempre me achasses.
Sempre que me lembro da primeira vez que te vi, conheci um desejo sem igual e sem corpo... Acho que só ao fim de 3 minutos e já enfeitiçada, te vi as pernas, cada músculo, cada contorno... Até lá contornavam-me sensações, uma sensação de estar bem, mas um estar bem tão bom, que queria ficar naquele lugar para sempre... Esse lugar que és tu, sou eu, que não começa nem acaba, existe.
E embora com arrepios na espinha, não me deixavam nervosa, e nada do que dizia era filtrado, como se tivesse encontrado o soro da verdade, da minha, como se perto de ti não conseguisse fugir de mim. Tudo é natural, não pensado, corre... Uma sensação de estar protegida, sempre que me dás a mão, de querer ficar ali, apenas porque sabe bem, porque me entrega às sensações que não são complicáveis. Ali existo. Sem véus e distante de mágoas. E confesso que não me tento a proteger-me, não temo. Por mais que a razão me segrede coisas ao ouvido, não escuto. Sei que estou a ir contra a lei das probabilidades, mas esse teu gosto a impossível, a sublime, tenta-me para lá das minhas faculdades mentais, para lá do meu ser cognoscente. E esse teu domínio do meu inconsciente, levanta-me as saias (da alma) e mata-me os medos.


Agradeço o presente que é sentir.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Trilha

Há uma qualquer sensação que hoje está aqui , ao meu lado, em mim, escuto o Nando (Reis) e espero com ele o segundo sol. Mas hoje acordei com vontades abstractas e contornos que não se vêem, mas que me apalpam os sentidos...
Comi tudo o que encontrei no frigorífico, esvaziei a despensa, mas continua a faltar aquilo, aquela coisa que de facto me iria calar a fome... Não sei se já não sei amar ou se não mais me deixo dar... Ou se apenas o guardei para mim, para ti. Mas hoje o astro rei, como um segundo sol, aqueceu em mim um lado quase pueril, uma qualquer coisa que derrete há algum tempo em mim... Uma meninice até para mim inesperada, mas confesso, encantadora de voltar a encontrar... Um não saber mais o que sinto, pois já passou a tristeza, já passou aquele amor que era maior do que eu e que me entregou ao chão... E agora? NÃO SEI!!!! E é tão bom não saber de novo, e dizer que não sei, e não sei mesmo, e o não sei pode saber a tudo, pode tudo... A liberdade desta negação de saber sufoca-me de possibilidades, a sensação de que voltei a ver hipóteses de errar enternece-me... Voltei a mim, à roda que gira a minha vida e me faz sempre mais viva e me leva para qualquer lugar, pois não tenho hora para chegar, e já me tenho.
Pensei como tantas vezes me humedece a língua e trilha pensamentos o processo, o acto criativo, a arte, e namorei esta ideia que é para mim amada, presente, real... Que quando escrevo, vivo, amo, dou, sou, actuo, brinco, o que mais me fascina e onde existo, onde me suplanto, onde sou maior do que algum espelho poderia desenhar, onde estou viva e vivo, esse lugar é aí, quando actuo, crio, amo e a coisa criada, o objecto de sonho, o ser amado se fundem de tal forma que não sei mais se criei ou fui escolhida, se toquei ou fui tocada, se sou parcela ou resultado, se não me transformei de tal forma que ali me criei, ali existo, sou essência, sou eu cria e criada, pois quando me misturo e enleio no outro, na prosa, na poesia, num outro outra vez, ali sei-me coisa com vida, sei-me, sou amor, obra, arte, artista, vida, amante e amada. Cada momento destes adia o meu suicídio. Cada momento destes traz de volta à língua o gosto de vidas perdidas e por viver, reminiscências que me fazem ser pó, e tudo.
Hoje acordei como sempre fui, ou melhor, como já fui, fui em tempos, ou pura e simplesmente com uma sensação familiar, inundada do que sempre foi em mim real... Um entusiasmo sem nome nem rosto. E não sei se o gerei ou se sou gerada por ele.... E sinto-lhe a falta de olhos, de boca, de braços para me agarrar e me fazer sentir escolhida, preferida, de um arranhar de ouvidos com um refrão rouco de músicas tolas... Mas estou sem ânsias ou mágoas, fecho os olhos e sou como uma viajante num balão mágico e mandei fora todos os sacos de areia que pesavam, que me prendiam a um real que não acolhe nada para além de náuseas...
Comi tudo e a a sensação de náusea é crescente, e de tédio, pois de repente sinto tanto em mim e nada acontece à minha volta, nada me traz sabores novos à boca... Apenas me puxam o vómito e precipitam o passado. A repetição com que brindo por vezes os meus olhos começa a cansar-me de tal forma que o meu corpo se rebelou e hoje acordou apaixonado, sem destino nem necessidade de caminhos... Eu sou a trilha que trilho.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ausências Itinerantes

A viagem que me leva daqui
De perto de ti
Para um momento ausente
Inebriado de ilusão...
E com um copo de vinho na mão
Aqueço vícios e refresco paixões
Oiço risos no fundo da sala
Que não se estende
Finjo ser ser que se entende
E vejo cortar limões
Que se entregam a um qualquer destilado
Sufocado num copo roubado a um bar
Por não se saber dar
Também eu me dou
A quem me souber roubar
E me beba, a sorver
E me sinta a cada gole
Rendida, fingindo ser mole,
E me sinta o gosto
Como quem trai um desgosto
E para lá da pele me vele
Me molde, me tolde
(Sem me deter para ter).
E pouco a pouco volto, deixo de escrever
E desisto, existo (insisto)
E vejo-me derreter
Misturar... Entregar
A um presente

terça-feira, 27 de abril de 2010

Escolhas

Quando me perdi, verdadeiramente escolhi, até lá joguei ao quarto escuro, ao toca e foge com a sorte. Quando tudo nos parece fácil, dado, o caminho parece abrir-se a cada passo, a escolha nasce óbvia, e a meta é certa. Mas quando assim não o é, surge a necessidade inventiva de viver, e ao lado desta, a necessidade impiedosa de sobreviver. Apenas o amor nos salva (e distingue) desta última. E apenas o espelho e a imaginação nos salvam da auto comiseração e consequente auto imolação.