Nunca me esqueço
que me foste esperar, mais uma coincidência. "Sempre chegamos ao
sítio aonde nos esperam" (José Saramago).
Estávamos a
caminho da praia e o sinal fechou, e contigo do meu lado, olho para o outro e
estávamos parados lado a lado a uma imagem do José Saramago e da Pilar del Rio
com eles abraçados e esta mesma frase, havia mais, mas esta foi a que chegou
até mim, e confesso que só a notei agora, como se fosse um puzzle interminável
que me deixa reconhecer pistas, peças que não se prendem no tempo, mas que se
insurgem a ele...
Eu tinha sido a
primeira a falar no José e Pilar, no filme, mas inflamaram-me os olhos falar do
homem e da mulher, deste curto circuito que os colocava numa corrente onde as
ideias se envolvem de tesão e as vontades de poesia, e todas elas em acção.
Raramente falo nisto, mas talvez tivesse que te dizer entrelinhas a minha
vontade de um amor maior, além do mundo, para lá das ideias, mas convicto
delas, com danças de palavras infinitas a enrolarem-se no cérebro das nossas
bocas, com olhos nos dedos... Não sabia que tinhas uma imagem deles no teu
facebook... Sem saber, começavam aqui as evidências... A harmonia de
movimentos, de sombras, as telepatias, que me fazem correr para dizer primeiro,
porque rodeamos as mesmas palavras. Enternece-me a simplicidade como
simplesmente nos demos a isto, como nos deixámos sentir, como de repente nunca
me senti tão fêmea e tão pouco senhora de mim, como descubro que havia tanto
ainda por sentir em cada ângulo do meu corpo, que os tinha guardado só para ti,
descobri que nunca perdi tempo se o tempo me trouxe aqui. E a sensação de que
sempre nos esperámos, traduz-se nesta que me leva a escrever e reescrever, a
perder o controle dos dedos, porque nem mesmo eu sei o que os meus dedos têm
para escrever para ti, porque tu vieste para reinventar a minha história.
Vieste para me dar uma liberdade que só encontrava na fuga, no ir, e de repente
está aqui, uma paz que não sossega, que me faz vibrar com todas as luzes que me
circundam a alma, com todas as forças que dormem entre as minhas pernas. Tu
acordaste em mim um ser felino que baixou as defesas e se pôs apenas no sentir,
no presente, e sem querer, perdi noção do tempo, como se o efémero não
pudesse mais ser contido nele. Ele não mais existe como o conhecia, é como se
ele fosse um papel amassado que embrulha um presente que não acaba. Só lhe
sinto o cheiro na ausência do teu, essa sim passou a marcar o meu tempo, a cada
respiração o tempo dilata, e sonho em te encontrar de volta numa cama com o
nosso cheiro, de acordar e saber que posso voltar a dormir porque estás lá, de
ouvir a tua voz na minha nuca, de sentir a tua boca na minha pele a aquietar-me
ou a envolver-me num abraço que depressa me incita a amar, como se esse fosse o
único verbo, escolhendo todos os outros para o servir, numa dança que nunca
acaba, que me coreografa as pernas, os braços, os dedos, cada gesto à dimensão
de um nós. Não conhecia este espaço onde existia assim, mas sinto que sempre me
esperou ou o reconheço em ti.
A Pilar veio
conhecer o José a Lisboa porque leu o Memorial do Convento e se apaixonou pelo
personagem Blimunda, depois leu tudo o que havia traduzido dele e ao ler
O Ano da Morte de Ricardo Reis, comoveu-se de tal forma que decidiu
viajar até Lisboa para o conhecer, trazia com ela O Livro do Desassossego do
Fernando Pessoa (um dos meus livros preferidos). Chegou e conheceu um homem alto,
uma alma desassossegada, daquelas que se revolve e se consola no acto criativo.
No final deste encontro, Pilar diz que "voltou para casa com uma estranha
sensação de paz".
Quando li isto,
lembrei-me que já fui Blimunda, já vivi, por momentos fui veículo desse amor
maior, intuitivo, fora do seu tempo ou de todos os tempos, que a inspirou e
despertou para a obra, que a levou ao homem.
E depois vi do
lado de lá da janela do carro um homem alto, de olhar aguçado, selvagem, mas ao
mesmo tempo domado por uma alma desassossegada, que ali estava à minha espera,
e eu não sabia, mas tinha chegado.
A mesa daquele
restaurante encheu-se de conversas, foi aqui que falei do José e Pilar, e acho
que só tu ouviste, e quando me tocaste debaixo da mesa, aquele roçagar de pele
sequestrou-me como se me levasse para uma gruta do paraíso.
E os dias que se seguiram separaram-se do
tempo, saíram dele, como se o ontem tivesse um mês. E tudo o que se seguiu, foi
sem pontuação, como um romance do José, os dias fizeram-se maiores, passaram, e
nós neles inteiros, de repente era hoje e só hoje vimos o quanto ganhámos do
tempo. Falaste-me de amor, de projectos, de dor, de pintura, nunca mais me vou
esquecer do pintor português Jorge Oliveira e do Kandinsky, e ouvir-te na
quentura daquele sol deu-me medo, mas dos bons, deste menino homem com quem me
apetece falar até ao fim dos tempos, e medo desta coisa louca que se embebe em
curiosidade, admiração e que pode fazer todo este impulso maior e real.
Sem comentários:
Enviar um comentário